Sinatra: 100 anos depois
Texto: NUNO GALOPIM
Há precisamente cem anos, num piso superior de um “tenement”, um daqueles prédios de apartamentos iguais a tantos outros, numa avenida algo indistinta entre outras tantas ruas de Hoboken (no estado de New Jersey), nascia aquele a quem houve quem chamasse a voz do século. Entre as notícias que fazem a atualidade de 12 de dezembro de 2015 a memória de Frank Sinatra não passa despercebida. Não apenas pela evocação da sua vida e obra ou pela expressiva quantidade de homenagens que foram surgindo ao longo do ano, mas também pelo lançamento de uma série de títulos que, entre livros, DVD e discos, mostram como aquela que foi a maior estrela da música pop antes do eclodir da cultura rock’n’roll (estatuto que manteve intacto, apesar dos altos e baixos depois de finais de 60) continua a ser uma referência admirada e ainda hoje capaz de estimular a própria criação artística.
Entre os lançamentos que acabam de chegar a solo português há que destacar inevitavelmente o soberbo documentário que Alex Gibney criou para a HBO e que acaba de ter lançamento em DVD. Com o título de uma das mais icónicas das canções imortalizadas por Sinatra, All or Nothing At All toma o mítico concerto de retirada realizado em 1971 como ponto de partida do qual, a cada canção que surge no alinhamento, parte rumo a memórias e referências que com elas se cruzam. Há, claro, um encadeamento cronológico na arrumação dessas memórias, que nos fazem recuar a Hoboken, cidade ora feira de filhos de emigrantes ou de netos de escravos, na qual nasceu em 1915 e por onde começou a cantar.
O documentário, com cerca de 260 minutos de duração (divididos em dois discos, que depois juntam sequências extra que a montagem não incluiu), lembra como a utilização do microfone o ajudou a definir uma nova forma de cantar e não esquece o fenómeno de entusiasmo teenager que a sua presença desencadeava nas plateias mais jovens em inícios dos anos 40. Usando imagens de época e excertos de entrevistas – umas atuais (expressamente realizadas para o filme) outras de arquivo – All or Nothing At All conta a relação de Sinatra com os dias da II Guerra Mundial, recorda como o cinema o “salvou” em 1953 e como entre os discos dos anos 50 e 60 definiu o corpo central e maior da sua obra, num tempo em que a imagem e os temas que cantavam refletiam claramente a expressão de um homem ciente de que o tempo estava a passar por si. Há ainda no filme a exploração de toda uma dimensão política (da expressão de uma relação contra lógicas de segregação racial e da relação com os Kennedy à inflexão republicana com Reagan, Agnew e Nixon), assim como uma intrusão (consentida) pelo espaço privado, ouvindo-se aqui algumas das mulheres que com ele estiveram casadas – é particularmente pungente o depoimento de Mia Farrow – e também a voz dos seus filhos.
Uma das forças maiores deste documentário, realizado muito depois do desaparecimento daquele de quem se fala, é a forma como Alex Gibney tomou um corpo de entrevistas dadas por Sinatra (uma delas a Walter Cronkite) como matéria prima que usou, às fatias, arrumando as palavras nos contextos históricos a que se referem, da sua colagem surgindo assim um discurso contínuo na cronologia que ajuda a suportar a narrativa que assim acompanhamos devidamente arrumada no tempo.
Outro dos grandes lançamentos acabados de chegar a estes lados é A Voice on Air 1935-1955, uma caixa de 4 CD que junta gravações feitas em programas de rádio, a fonte principal do relacionamento de muitos com as vozes dos cantores e o som das orquestras antes da explosão de consumo do disco que chegaria com a vulgarização do formato do LP na alvorada dos anos 50. Acompanhada por um booklet com imagens da época, informação detalhada sobre cada gravação e ainda o ensaio Frank Sinatra and the Magical Mystery of Radio, de Charles R. Granata, a caixa recua aos dias dos Hoboken Four e Four Sharps, recorda atuações com a orquestra de Tommy Dorsey e ocasionais encontros com outras estrelas da rádio daquele tempo. É interessante a forma como esta antologia de gravações nos ajuda a fazer um retrato daqueles tempos já que às atuações musicais acrescenta alguns fragmentos de discurso falado, seja em apresentações seja quando, no dia em que as tropas aliadas desembarcaram nas praias da Normandia, Sinatra deixa claro aos ouvintes que a emissão poderá ser interrompida a qualquer momento para que todos possam estar informados sobre o decurso das operações militares em curso.
Ao longo do ano o foco das atenções das reedições do catálogo de Frank Sinatra apostaram essencialmente no vinil, tendo muitas das suas edições (sobretudo dos anos 50 e 60) regressado em novas prensagens, no modelo à la século XXI que junta ao vinil um código para o download das mesmas canções em ficheiros digitais. As mais recentes reedições em vinil apontaram todas os azimutes a 1965. Esse foi o ano do sublime September of My Years, um dos melhores discos de Frank Sinatra que, registado numa altura em que se preparava para assinalar o seu 50º aniversário, reflete mais do que nunca sobre o passar do tempo em canções pelas quais passam ecos de melancolia, de desencanto e de perda, sob os sumptuosos arranjos de Gordon Jenkins. O novo lote de reedições apresenta ainda Sinatra ’65, uma antologia de singles de edição recente e, reunidos numa só capa, os dois volumes de A Man and His Music, um “best of” destinado a assinalar o cinquentenário, porém juntando a uma série de canções de vários tempos alguns momentos de conversa, como que contextualizando o que vamos ouvindo. O disco inclui ainda um excerto do áudio do filme Até à Eternidade que, estreado em 1953, foi a rampa de lançamento de uma nova etapa de popularidade para Sinatra após um período de menos sucesso vivido na reta final dos anos 40.
A “celebração” não fica por aqui. E para os interessados em “ouvir” Sinatra a fundo há que estar atento a uma reedição do livro Why Sinatra Matters? de Pete Hamil (com uma introdução pelo autor), que será publicada no início de fevereiro de 2016.
“All or Nothing at All”, de Alex Gibney
2 DVD, Universal Music
5 / 5
“A Voice on Air – 1935-1955”
4 CD, Columbia, Sony Music
5 / 5
“September of My Years”
LP, Universal Music
5 / 5
“Sinatra ‘65”
LP, Universal Music
4 / 5
“A Man and His Music”
2 LP, Universal Music
4 / 5
Atravessando gerações…Hoje seria seu aniversário de 100 anos, o alcance de sua voz e o magnetismo de sua personalidade permanecem até os dias de hoje através de suas canções, entre elas “My Way”…!!!
http://www.matheusbraga.com.br
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