Últimas notícias

Twin Peaks não é para meninos

Texto: DANIEL BARRADAS

“Twin Peaks” está de volta. Para quem como eu viveu o impacte que a série gerou por alturas da estreia original, a expectativa era mais que muita. Depois do visionamento dos quatro primeiros episódios da nova temporada estou… hum… nem sei que vos diga…

Como quem pede um desejo ao génio da lâmpada mas acaba enganado, o novo Twin Peaks é exactamente o que pedimos mas nada do que esperávamos. David Lynch à solta, com carta branca e orçamento a condizer mais a boa vontade de actores e produtores… No mínimo íamos ter qualquer coisa estranha e extravagante. Mas o que recebemos está muito para além disso.

As primeiras quatro horas do regresso a Twin Peaks são lentas, crípticas, opacas, desconexas, exasperantes. Mas são também hipnóticas, divertidas, assustadoras, enternecedoras.

O Twin Peaks original era Lynch pós Blue Velvet. O novo Twin Peaks é Lynch pós Mullholland Drive e Inland Empire (com uma pitada de Eraserhead). Talvez depois das 18 horas completas da nova série e uma segunda rodada de visionamento as coisas comecem a fazer algum sentido, mas não creio que valha a pena esperar por isso. Esta é uma experiência audiovisual para fruir no momento. A lógica é a do sonho: tudo é possível, o tempo é elástico, o mundano é simbólico, o belo é horrível, o horror é belo, e por aí em diante…

Lynch não evita os seus próprios clichés (quem os detesta, mantenha-se afastado). Mas também temos aqui um Lynch fresco como nunca, a testar os seus (e os nossos) limites. O episódio 3 é provavelmente a coisa mais louca e genial que ele alguma vez fez. Não há explicação. Vi-o de queixo caído e a perguntar constantemente a mim mesmo “o que é esta merda?!”. E no entanto é só o terceiro episódio, ainda a procissão vai no adro. Pressinto que isto só irá ficar ainda mais estranho. Estranho ao cubo, ao quadrado. Ao quarto episódio as próprias personagens já dizem coisas como “isto é tão estranho”, ou “não percebo nada do que se está a passar”. Pois é, queridos, bem vindos ao clube!

Há coisas que me agradam muito neste novo Twin Peaks e muitas outras que acho que odeio. Muitas vezes são as mesmas. Por exemplo o facto de ser lento à brava e estar-se bem nas tintas para o que queremos. Ao quarto episódio ainda nem vimos todo o elenco original, passámos muito pouco tempo na cidade de Twin Peaks e embora haja referências constantes ao passado, a “história” principal parece outra. Isto é mau e é bom ao mesmo tempo. Lynch usa o saudosismo como uma cenoura na ponta de um pau para nos conduzir a sítios novos, mais escuros.

Mas o que me agrada mais é que Lynch é ele mesmo. Um director que não cede a facilitismos e segue a sua visão. Como ninguém é perfeito, esta tem falhas. Mas é precisamente aí que reside muito do seu charme.

Então cá temos Twin Peak de volta, e volta a ser, provavelmente será sempre, a coisa mais estranha na televisão. Não importa se repetirá o impacte cultural que teve, está de volta e não é para meninos. É simplesmente para quem a quiser/conseguir fruir.

Deixe um comentário