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Revisitar os Soft Cell em dez canções

Texto: NUNO GALOPIM

No momento em que é editada “Keychains and Snowstorms”, uma caixa que junta importantes olhares sobre a obra dos Soft Cell, aqui ficam dez canções que ajudam a contar a história do grupo.

Formados em Leeds em finais da década de 70, os Soft Cell juntaram Marc Almond e Dave Ball numa história e obra que, mesmo contemporâneas de outros nomes da primeira geração pop eletrónica britânica, revelou sinais de demandas distintas, tanto nas temáticas abordadas como no modo de explorar a imagem, a relação mais próxima com atitudes de subversão e, sobretudo depois de alcançado um inesperado êxito planetário com Tainted Love, em 1981, os levou a procurar caminhos de sabotagem ao próprio sucesso.

Com vida discográfica original entre 1980 e 1984, os Soft Cell conheceram uma breve segunda vida depois da viragem do século e há poucos dias assinaram, em Londres, um novo episódio de reencontro, este para assinalar um definitivo ponto final que é acompanhado pela edição de uma caixa antológica com nove CD e um DVD.

Neste momento de revisão da obra dos Soft Cell vamos aqui deixar dez canções que traduzem alguns dos melhores momentos da sua obra. Umas foram singles e são ainda hoje peça reconhecida. Outras são peças não menos interessantes que foram surgindo nos seus discos, embora sem o mesmo mediatismo.

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1984. “Down in The Subway”
Em fevereiro de 1984, já com o seu terceiro álbum de estúdio concluído, os Soft Cell tornaram pública a intenção de colocar um ponto final na sua parceria. Dave Ball tinha já editado um primeiro álbum a solo, ao qual chamou “In Strict Tempo”. Marc Almond, que havia já lançado um disco com o projeto paralelo Marc & The Mambas em 1982, apresentaria ainda em 1984 um primeiro LP a solo. As despedidas dos Soft Cell chegaram com um álbum desafiante e bem distante das linhas mais dançáveis e simples do disco de 1981. E, depois de um aperitivo lançado ainda em 1983 com “Soul Inside”, o LP surgia nas lojas de discos ao mesmo tempo que um novo single em tudo igualmente inesperado, revelando mesmo um modo muito peculiar de assimilar heranças do rockabilly. “Down In The Subway” fechava uma etapa que, apesar das reuniões posteriores do grupo, guarda o que de melhor a sua obra em disco nos deixou.

1981. “Memorabillia”
Depois de terem editado em 1980 um primeiro EP que vincava uma postura desafiante capaz de explorar, com pulsão de ousadia, as emergentes formas ligadas à pop eletrónica, demonstrando desde logo um interesse por estruturas repetitivas e uma personalidade vincada na atitude vocal de Marc Almond, os Soft Cell foram convidados a editar dois singles por uma grande editora. Seria um “tudo ou nada” que poderia decidir o seu futuro. E como primeiro passo optaram por criar em Memorabillia uma viagem hipnótica que, vista do presente, parece sugerir visões sobre eventuais caminhos futuros da música de dança. Passou longe das atenções. Mas sublinhou a alma de perfil mais experimental que sempre animou os Soft Cell.

1981. “Tainted Love”
Para o segundo dos dois singles de um primeiro acordo editorial assinado pelos Soft Cell a dupla escolheu algo completamente diferente do que entes mostrara tanto no mais experimental EP Mutant Moments como no single Memorabillia lançado meses antes. Para as duas faces do single criaram versões de clássicos: Where Did Our Love Go, das Supremes, no lado B e, no lado A, o algo esquecido Tainted Love de Gloria Jones. E este transformou-se, inesperadamente num sucesso planetário de uma dimensão tal que criou em muitos uma ideia diferente daquilo que na realidade Almond e Ball procuravam. Na verdade a restante obra dos Soft Cell seria mais fiel às suas demandas que a uma vontade de multiplicar o fenómeno de popularidade aqui gerado.

1981. “Youth”
O sucesso de “Tainted Love” transportou os Soft Cell para um terreno de sucesso global que, se por um lado lhes deu a possibilidade de gravar mais discos ao mesmo tempo gerou potenciais equívocos já que o DNA da dupla Almond/Ball não apontava de todo a uma cedência aos desejos das massas. Criado na companhia do produtor Mike Thorne o álbum de estreia “Non Stop Exotic Cabaret” não deixou por isso de explorar temáticas menos leves nem de continuar a viagem do duo pelas novas possibilidades de uma pop feita com eletrónicas. Entre as canções do álbum surgia um hino sombrio sobre o fim de juventude e as ilusões e sonhos que tantas vezes habitam esses dias. O tema não chegou a single nesses tempos mas, em 2017, partilhou com “Say Hello Wave Goodbye” o alinhamento de um máxi de remisturas criadas pelo próprio Dave Ball.

1982. “Say Hello Wave Goodbye”
O terceiro (e último) single extraído do alinhamento do álbum de estreia dos Soft Cell apontou – com pontaria – a “Say Hello Wave Goodbye”, uma canção que acabaria por definir várias pistas futuras. Por um lado tornar-se-ia, mais ainda do que “Tainted Love”, na canção de referência capaz de assinalar os episódios de maior emoção nos concertos que o grupo deu por ocasião das suas reuniões. E, por outro, representa o primeiro tema dos Soft Cell que abre caminhos a destinos emocionais e estéticos que Marc Almond abordaria na sua obra a solo. Eloquente, épica, é uma balada que procura outras formas de explorar as potencialidades das eletrónicas e que, na versão máxi, junta um magnífico solo de clarinete.

1982. “Torch”
O sucesso intenso e inesperado que os Soft Cell alcançaram com “Tainted Love” teve continuação nos singles que se seguiram e no álbum de estreia que lançaram ainda em 1981. É já sob o peso do sucesso obtido que, antes de criarem um novo álbum (que surgiria apenas em 1983), dedicam o ano de 1982 à criação de um vídeo de longo formato, um álbum de remisturas (“Non Stop Ecstatic Dancing”) e ao lançamento de singles não representados em alinhamentos de álbuns. Foram eles “What?” (ainda em clara continuidade face ao álbum de estreia), “It’s A Mug’s Game” (lançado apenas nos EUA) e “Torch”. Esta última explora um sentido de dramatismo que Almond claramente seguiria depois a solo e junta, num dueto na reta final da canção, a voz da nova-iorquina Cindy Ecstasy.

1982. “Where The Heart Is”
Depois de uma pausa, na qual Marc Almond encontrou espaço para uma primeira experiência em paralelo (criando o primeiro álbum do projeto Marc And The Mambas) os Soft Cell apresentaram “Where The Heart Is” como primeiro single de um segundo álbum de originais que só chegaria em 1983. A canção seguia um caminho com antecedentes evidentes em canções como “Say Hello Wave Goodbye” ou “Torch”, deixando para trás a faceta mais festiva, electro e dançável que caracterizara parte da sua produção anterior. Na verdade abria caminho para um disco mais desafiante ao qual o mercado não reagiu com o mesmo entusiasmo…

1983. “Heat”
A chegada do segundo álbum de originais, “The Art of Falling Apart” foi anunciada por “Where The Heart Is”, single que ainda mostrava (como o faria o tema “Loving You Hating Me”) sinais de pontes para com as linguagens musicais exploradas no disco de estreia. Este era porém um álbum mais elaborado nas formas e sem filtros nas palavras. O encantamento mais imediato de outrora não se repetiu e o segundo single, “Numbers” não só não teve um teledisco a acompanhar o seu lançamento como, tal como com “Where The Heart Is”, não chegou ao Top 20. Havia planos para editar um terceiro single entre os temas do alinhamento do álbum, tanto que uma versão para máxi-single chegou a ser feita. Contudo, o single não chegou nunca a ser editado. A escolha tinha recaído sobre este “Heat”.

1983. “Soul Inside”
Coube ao álbum “The Art of Falling Apart” uma reabertura dos caminhos dos Soft Cell a terrenos de maios evidente gosto pelo desafio, a experimentação. Sem perder o viço pop, o gosto pela melodia, a sua música mostrava ali curiosidade por outros sons e, decididamente, sublinhava a alma subversiva que o êxito súbito de “Tainted Love” não apagara. O passo seguinte seria ainda mais radical. O single que anunciou um terceiro álbum mostrava ainda afinidades com o que se escutara no álbum de 1983, cabendo ao teledisco sugerir uma ideia de síntese da história até ali vivida… Poucos meses depois, no início de 1984, anunciariam a separação. Mas “Soul Inside” revelou-se, inesperadamente, no seu maior sucesso desde meados de 1982.

1984. “L’Esqualita”
Quando o terceiro álbum de estúdio dos Soft Cell, com o título “This Last Night in Sodom”, chegou às lojas de discos em março de 1984, já o grupo tinha anunciado a a sua separação. O disco representava a definitiva desconstrução de uma ideia desta dupla como criadora de êxitos pop luminosos, dançáveis e acessíveis, propondo antes um alinhamento dominado por temáticas nada ligeiras e caracterizado por uma abordagem instrumental ainda mais livre e desafiante do que a apresentada no álbum de 1983. Entre os temas surgia “L’Esqualita” (tílulo inspirado pelo drag bar de Nova Iorque La Escuelita e que colocava em cena sonoridades da cultura latina que Marc Almond exploraria mais adiante tanto a solo como através do projeto Marc & The Mambas.

2 Comments on Revisitar os Soft Cell em dez canções

  1. Luís António Couto Coelho // Novembro 15, 2018 às 7:32 pm // Responder

    “Entertain me”, “Kitchen sink drama”, “Baby doll”, “Martin”, “Barriers” e “It’s a mugs game” podem não ser tão emblemáticas, mas não ficariam mal numa lista de top 10 dos Soft Cell.

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