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O homem que foi à Lua… nos limites

Texto: NUNO GALOPIM

Num tempo em que se assinala os 50 anos sobre a etapa decisiva do programa Apollo, que em julho de 1969 levaria pela primeira vez astronautas ao solo lunar, um olhar biográfico sobre Neil Armstrong chega às salas de cinema pelo mesmo autor de “Whiplash” e “La La Land”. A música, felizmente, é outra…

Uma das maiores conquistas da humanidade no nosso tempo (ou no tempo dos pais ou avós de quem ainda não tinha nascido), a chegada do homem à Lua foi mais vezes explorada no grande ecrã através de ficções do que baseada em narrativas com personagens reais. Na verdade, salvo a viagem dramática da Apollo 13, num filme sob a direção de Ron Howard (e vale a pena lembrar que “Os Eleitos”, de Philip Kaufman, focava a aventura dos astronautas e técnicos do anterior projeto Mercury), o programa da Nasa politicamente sonhado por John Kennedy e concretizado pelo esforço de uma multidão de profissionais na verdade ainda esperava uma representação cinematográfica que, pelo menos, refletisse o impacte cultural que todo o projeto levantou.

Coube – talvez para surpresa de alguns – a Damien Chazelle o desafio de, numa altura em que assinalam os 50 anos dos primeiros voos tripulados da Apollo (a missão Apollo 7 decorreu em outubro de 1968), levar ao cinema a história do momento que inscreveu a figura de Neil Armstrong na história da humanidade tornando-se, em julho de 1969, o primeiro homem a pôr o pé na Lua.

Se a escolha de Ryan Gosling para o papel protagonista pode ser um pouco como os queijos – há quem goste ou nem por isso (e eu não gosto de queijo) – a verdade é que o ator procurou vestir a pele de um homem focado, pragmático, expedito, ao qual a trama acrescenta uma dimensão pessoal, familiar, que faz com que “O Primeiro Homem na Lua” não seja a história de um feito da ciência e da tecnologia, mas um desafio conquistado por aqueles que a viveram.

Damien Chazelle, se por um lado procura a intensidade de “Whiplash – nos Limites” no sentido do confronto dos desafios pela perfeição de os executar que caracterizava os progressos profissionais de Neil Armstrong e, por outro, não esquece o valor cultural da arte da citação (que passou pelas entrelinhas de “La La Land”) quando, num momento de contemplação, espacial evoca o “bailado” sideral do “2001” de Kubrick, na verdade buscou uma partida para outros desafios com esta história diferente que tinha nas mãos. Se o drama familiar (seu e das demais famílias de astronautas) confere à trama uma dimensão humana que transcende em profundidade o caráter mais descritivo e enumerativo da cronologia profissional, é curiosamente nesta esfera que as melhores ideias de realização se manifestam. Seja quando, ao entrar nos cockpits das diversas naves, somos sujeitos a sugestões de claustrofobia e fragilidade, seja quando, ao subir por uma última vez o elevador junto ao Saturno V, o progressivo destapar da paisagem por detrás do foguetão vinca a dimensão colossal do engenho que levaria os astronautas à Lua.



Com frequente recorrência a dinâmicas de montagem em paralelo, a narrativa acompanha o percurso pessoal de Neil Armstrong entre os testes de aviões supersónicos e a missão que, em 1969, o levaria à Lua, numa viagem que, é sabido, viveu naquela fina linha entre o sucesso e a eventual tragédia. O contar da missão é fiel aos episódios históricos (a descida do Eagle é fidedigna em tensão e nos factos). Com um tropeção apenas num detalhe a resvalar para o piroso que, se ausente, não teria danificado em nada a trama e a intensidade emocional da história… De facto, não fazem falta pulseiras na Lua (*).

Não será difícil, perante as sequências de intimidade familiar, realizadores com um Spielberg ou um Malick olhariam as personagens com outra profundidade dramática ou poética. Mesmo assim é a presença deste universo que faz de O Primeiro Homem na Lua mais do que apenas um filme sobre um feito da ciência e da tecnologia. É uma aventura de muitos seres humanos que, naquele, Neil Armstrong, concentrou todas as atenções. Um fardo que, mesmo com a gravidade menos intensa na superfície lunar, foi certamente coisa pesada de carregar.

“O Primeiro Homem na Lua”, de Damien Chazelle, com Ryan Gosling, Jason Clarke, Claire Foy e Kyle Chandler, está em exibição em Portugal.

(*) Quem vir o filme vai perceber.

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