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1969. O álbum em que Joni Mitchell voou acima das nuvens…

Texto: NUNO GALOPIM

Editado em maio de 1969 o álbum “Clouds” sublinhou o caráter pessoal da demanda autoral de Joni Mitchell. Um texto de Saul Bellow fizera-a notar que havia vários ângulos para observar o que quer que fosse. A lição foi assimilada e integrada numa escrita que, na hora de pensar a música, acentuou uma vontade em caminhar para lá dos espaços de raiz da canção folk.

Foi com uma outra segurança que, depois de uma experiência em estúdio com David Crosby, a própria Joni Mitchell chamou a si mesma a condução dos destinos da gravação das canções que em 1969 registou no seu segundo álbum. Gravado, tal como o disco de estreia, na Califórnia, “Clouds” é um disco praticamente criado a solo. Paul A. Rotchild (um nome que emergira na cena folk de Boston mas ganhara nome a gravar os Doors) foi chamado apenas para produzir “Tin Angel” e Stephen Stills (que tinha já tocado num dos temas do álbum de estreia) foram os únicos colaboradores convocados para além do engenheiro de som. A presença autoral da compositora, intérete e esteta ganha, assim, uma outra dimensão.

Joni Mitchell disse em tempos que a sua etapa como cantora folk acontecera, de facto, mas que fora por si ultrapassada depois de 1965. Ao começar a compor as suas próprias canções ela mesma encetara uma demanda para além dos paradigmas formais e, sobretudo, dos horizontes temáticos e linguísticos habitualmente associados aos epicentros do género. O que se passava era que, apesar de tocar também piano, muitas vezes era vista a cantar acompanhada pela sua guitarra. E essa imagem sugeria a figura de uma cantora folk. Este “equívoco”, se assim o podemos descrever, ganhou uma carga maior ainda quando “Clouds” valeu a Joni Mitchell um primeiro Grammy, conquistado precisamente na categoria de Melhor Álbum Folk… A verdade é que acima do nome dos géneros, era a identidade de Joni Mitchell a força maior que se cimentava num álbum que, ao contrário de “Song to a Seagull”, conquistara adeptos para além dos nichos que até aí estavam atentos às suas canções. “Clouds” levava-a a uma outra dimensão.

Na verdade algumas das canções que encontramos no alinhamento de “Clouds” eram já verdadeiros ‘standards’ quando o segundo álbum de Joni Mitchell chegou aos escaparates das lojas de discos em maio de 1969. “Both Sides Now” fora inspirada pela leitura de “Henderson, O rei da Chuva”, de Saul Bellow, notando Joni Mitchell como, ao conseguir voar, o homem passara a poder ver os dois lados das nuvens. Essa ideia da multiplicidade dos pontos de vista, que habita algumas das reflexões em canções deste seu segundo álbum, tinha conhecido uma abordagem clara nessa canção que começara por ser gravada em 1967 por Judy Collins e que, antes mesmo de registada em disco por Joni Mitchell, conhecera já versões por vozes como as de Frank Sinatra, Anne Murray ou… Leonard Nimoy. “Both Sides Now”, cuja letra sugeria o título do álbum – “Clouds” – não era contudo a única canção “desconhecida” no alinhamento já que entre as dez canções do álbum estava também “Chelsea Morning”, que começara igualmente por ter uma vida discográfica com Judy Collins antes de, aqui, ser resgatada pela sua autora.

Ao mesmo tempo que fixou estas versões de dois clássicos seus finalmente na sua voz o alinhamento de “Clouds” revelou outras peças que fariam história e que podem ir de “Roses Blue” a “I Think I Understand”. O lote de canções é de facto impressionante e demonstra já evidentes sinais de uma identidade exploratória a ousada não apenas na expressão do canto ou no uso das palavras mas na própria composição. “The Fiddle and The Drum”, por exemplo, despe a canção ao minimalismo maior que apenas a voz lhe pode conceder. Já “Songs For Aging Children”, talvez o momento mais impressionante de todo o disco (e curiosamente um dos que mais cita raízes folk), revela um trabalho invulgar e complexo na composição que adivinhava que visões mais desafiantes ainda poderiam vir a caminho…

“Clouds” teve edição original em maio de 1969 pela Reprise

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