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Bach novamente entre os teclados Moog

Texto: NUNO GALOPIM

A assinalar os 50 anos dos sintetizadores Moog e a reativação do fabrico de alguns modelos históricos, Craig Leon dirige aqui uma série de reencontros eletrónicos com a obra de Johann Sebastian Bach.

Entre as pontes que a história da música do século XX estabeleceu ligando as heranças da tradição clássica ocidental aos caminhos do presente (a piscar o olho ao futuro) contam-se várias experiências de abordagem de obras de outros tempos através de novos instrumentos, amplificando assim as potencialidades quer dos legados históricos convocados quer das características sonoras do que de novo ali se escutava. Na verdade esta ideia nem é nova nem exclusiva do século XX, já que o advento do piano, por exemplo, permitira abordagens de características semelhantes no passado. A era do disco, contudo, levou as novas leituras a mais ouvidos e mais depressa. E o cinema deu depois uma ajuda…

Se bem que houvesse já algumas abordagens feitas a velhos clássicos por novos instrumentos na aurora das electrónicas ao serviço da música, coube contudo ao álbum de 1968 Walter (hoje Wendy) Carlos, Switched on Bach, o papel de fixar esta ousadia instrumental entre não só a história das interpretações da música barroca mas também no panteão dos títulos fulcrais entre os pioneiros da música electrónica. Um ano depois, em The Well Tempered Synthesizer, Carlos aprofundaria este trabalho de interpretação de clássicos juntando a Bach peças de Scarlatti, Handel e Monteverdi. O entusiasmo com que estes discos foram acolhidos marcou um momento que assistia também a movimentos que definiam então a proto-história das electrónicas na música popular e que teria expressão maior em A Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick, que contaria com banda sonora de Carlos precisamente pensada neste comprimento de onda. Aos discos de Wendy Carlos juntar-se-iam outras aventuras semelhantes como Chopin à La Moog por Hans Wurman (1970), Switched on Gershwin de Leonid Hambro (1970) ou o mais influente Snowflakes are Dancing (1974) de Isao Tomita, talhando uma história que ainda há poucos anos teve continuidade num projeto semelhante assinado em 1999 por William Orbit em Pieces in a Modern Style, que teria um segundo volume em 2010.

É contudo sob a caução de uma efeméride que os velhos sintetizadores Moog, fulcrais em todo este processo, regressam a Bach compositor cuja obra foi, nas últimas décadas, abordada quer em diálogos com heranças africanas em Bach to Africa (pelo coletivo Lambarena, em 1995) ou conheceu leituras do jazz a planos mais experimentais em Red Hot + Bach, um dos mais recentes volumes da série através da qual a Red + Hot Organization promove campanhas de luta contra o VIH usando a música para recolher fundos e alertar consciências.

O produtor Craig Leon, que nos anos 70 esteve ligado a discos dos Blondie ou Suicide e desde finais dos noventas se tem dedicado sobretudo a projetos de música orquestral – trabalhando em discos de nomes como Andreas Scholl, Joshua Bell ou a London Symphony Orchestra – é agora o protagonista de uma gravação criada para assinalar os 50 anos do surgimento dos sintetizadores Moog e marcar os dez sobre o desaparecimento de Robert Moog, o seu criador. A efeméride na verdade teve como expressão central a reativação da construção de velhos sintetizadores modulares – peças históricas e de referência entre os teclados analógicos – assim como o lançamento de uma nova série de sintetizadores. Ao disco coube assim o papel de lhes dar uma primeira (nova) vida.

Acompanhado por um pequeno ensemble, Craig Leon mergulha, com os seus sintetizadores Moog, através de algumas peças de Johann Sebastian Bach, sugerindo sobretudo o que de há familiaridade neste reencontro (quer pelas obras em si quer pelas sonoridades exploradas). Quase 46 anos depois da abordagem original de Wendy Carlos não por isso há aqui a mesma vertigem da novidade nem mesmo os arranjos comportam qualquer surpresa. Mesmo juntando às ideias de 1968 a coexistência do som dos Moog à presença do ensemble clássico, Bach To Moog está mesmo assim longe de repetir assim quer o sentido de irreverência que recordamos de Switched on Bach ou até mesmo o inesperado golpe de anca cultural que descobrimos há 20 anos em Bach to Africa. Leon não é também um Glenn Gould, que fez das suas abordagens a Bach ao piano outro dos contrafortes entre as vidas recentes de uma obra com história mais antiga. Este é contudo um projeto instrumental e tecnicamente competente. E se abrir portas a novas abordagens a estes teclados e revelar a novos públicos a obra (essa sim, inovadora e provocadora) de Wendy Carlos, já cumpre uma missão. Tirando isso, ouve-se bem…

“Bach to Moog”, apresentado como “A Realization For Electronics ans Orchestra”, e dirigido (e interpretado) por Craig Leon, está editado em CD pela Sony Classical. O disco está também disponível nas plataformas digitais de streaming e download.

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