E esta é a melhor série que neste momento podemos ver na televisão
Texto: NUNO GALOPIM
À proliferação de tramas policiais em séries que se multiplicam pelos muitos canais de cabo e serviços de streaming chega, de muito em muito, uma proposta diferente, desafiante e capaz de acrescentar novas ideias a um mundo de facto sobrepovoado de histórias e imagens. Foi assim com “The Wire”, um dos melhores exemplos de excelência ao serviço de uma série que, mais do que mera narrativa policial, revelava, em apenas cinco temporadas, um somatório de histórias do quotidiano numa cidade (a de Baltimore, neste caso). A educação, a corrupção, a imprensa, entre outros, eram temas que acrescentavam corpo a uma série que se centrava numa unidade policial e que com ela nos levava a ver muito mais do que os objetos imediatos do seu labor diário.
É claro que são espaços (e tempos) diferentes os que vemos retratados em “Mindhunter”. Mas a série produzida pela Netflix – já com duas temporadas disponíveis – é talvez a que mais se aproxima dos patamares de cuidado na escrita, na direção de atores e na realização, juntando ainda uma contribuição importante de uma direção de arte que tem entre as suas missões a de nos transportar às épocas em que decorrem as ações, sem que para tal esteja sistematicamente a esborrachar marcas de tempo no ecrã.
O projeto ganhou forma depois de Charlize Theron ter oferecido a David Fincher um livro sobre esta divisão criada pelo FBI em finais da década de 70. A presença de Fincher está bem evidente nas entranhas de “Mindhunter”, tanto que ele mesmo assinou a realização de episódios em ambas as temporadas já produzidas (quatro na primeira, três na segunda). A ele juntaram-se já, na realização, nomes como os de Asif Kapadia (o autor de “Amy”), Tobias Lindholm (“Borgen”) ou Andrew Dominik (“O assassínio de Jesse James pelo cobarde Robert Ford”).
Ficção com base em alguns factos reais, “Mindhunter” acompanha a criação e desenvolvimento de uma unidade que, dentro do FBI, começou a aplicar ideias e métodos das ciências comportamentais para, primeiro, criar o perfil de serial killers condenados e presos e, depois, aplicar dados recolhidos e conclusões em situações de investigações em curso. A primeira temporada decorre no final da década de 70, acompanhando o surgimento destes novos métodos dentro do FBI. A segunda está temporalmente localizada entre 1979 e 1981, tendo como arco narrativo central a investigação dos chamados “Atlanta murders”, um conjunto de assassinatos em série de adolescentes negros de vários bairros da cidade georgiana.
O trio central de atores (e respetivas personagens) – Jonathan Groff (Holden Ford), Holt McCallany (Bill Tench) e Anna Tory (Wendy Carr) – tem o carisma característico dos grandes triângulos narrativos. São eles o epicentro do corpo especial – alojado numa cave do FBI – mas parte de um lote maior de figuras que juntam aos episódios figuras e histórias de vida que fazem com que “Mindhunter” transcenda a lógica mais recorrente das histórias de crime, solução e castigo. Os assassinos entrevistados juntam uma assombrosa profundidade a todo um jogo de situações que constroem, episódio após episódio, vários arcos narrativos que se vão desenhando e eventualmente resolvendo – uns mais depressa do que outros. Às histórias dos casos (os resolvidos e os em aberto) a série acrescenta uma capacidade rara em explorar cada uma das três figuras centrais, todas elas acabando por juntar à série argumentos do foro pessoal que a construção da narrativa “macro” da série faz bem em nunca secundarizar. Caso estejam naquele momento de “orfandade” sem série, não há no presente melhor proposta do que a que podem encontrar em “Mindhunter”.
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