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Os 10 melhores filmes de Woody Allen

Texto: RUI ALVES DE SOUSA

No mês em que se comemora o 80.º aniversário do cineasta, selecionámos dez títulos incontornáveis da sua filmografia. Uma carreira ímpar no cinema moderno, que já soma mais de quatro décadas.

Woody Allen já fez de tudo: entre dramas e comédias, mostrou ser um especialista nato em filmar as relações humanas. Ao longo das décadas, conseguiu afirmar-se como um dos nomes mais relevantes e originais do cinema contemporâneo, criando um estilo próprio de contar histórias e de filmar as emoções e as ambiguidades da vida quotidiana.

Nesta seleção encontram-se alguns dos filmes mais emblemáticos de Woody Allen. Outros títulos icónicos ficaram de fora desta dezena – aqui, os critérios fundamentais da escolha não passaram pela popularidade, mas sim por uma certa originalidade e consistência que encontramos, apenas, numa porção de títulos de Woody Allen. Por outras palavras, podemos dizer que esta seleção contém histórias que resistem a mais do que um visionamento, e que são a prova dos múltiplos talentos do cineasta.

1. Ana e as Suas Irmãs (1986)
E eis a obra prima maior de Woody Allen, um grandioso mosaico sobre a vida urbana, a infidelidade, o amor, a fé, a consciência e a sociedade. Através das relações familiares e amorosas de três mulheres (a dita Hannah do título e as suas duas irmãs), Woody Allen constrói uma história fabulosa que tem, nas ambiguidades da vida, o seu pano de fundo. A persona de Woody por lá anda nas suas divagações filosóficas, tentando encontrar um caminho espiritual, e todos os problemas das personagens cruzam-se e ligam-se de uma maneira muito original.
Um filme que passa a correr e que nos faz mergulhar num mundo banal, tornando-o especial para o nosso olhar sem que perca a sua essência, a sua simplicidade e o seu brilhante lado emocional e sensível. As vidas que por aqui passam encontram-se, afastam-se, redescobrem-se, entristecem-se, e são surpreendidas, tudo ao mesmo tempo – ou quase. Woody Allen mostra-nos o que via e revia todos os dias no quotidiano nova-iorquino (quotidiano esse que tem tudo para ser universal, de possível identificação para qualquer espectador de todos os cantos do mundo).
Esta trama de romances trocados e neurose existencial, que culminará no dia de Ação de Graças explora com maior densidade as preocupações da persona de Woody Allen, e investigando de uma maneira subtil e genial as intenções de cada uma das personagens que compõem este filme maravilhoso. Ana e as Suas Irmãs é o filme perfeito de Woody Allen, uma comédia dramática com uma profundidade sem igual. Um elenco que nos dá extraordinárias interpretações, e uma energia narrativa e visual que, em nenhuma outra ocasião, conseguimos encontrar nos filmes do realizador.

2.  Uma Outra Mulher (1988)
Eis o teatro em todo o seu esplendor. Não o teatro apenas, mas o mundo do teatro, a relação dos actores com o palco, os fantasmas que o perseguem, os bloqueios dos ensaios e das apresentações de uma peça, a forma como realidade e ficção podem perigosamente confundir-se. É o que Woody Allen nos propõe em Uma Outra Mulher, um dos seus filmes mais originais e mais esquecidos, em que Marion é confrontada com a sua vida e a ligação entre o passado e as amarguras do presente.
Marion é interpretada por Gena Rowlands, que em Noite de Estreia, de John Cassevetes, interpreta outra figura complexa e magnífica que se movimenta nas lides do teatro. E o filme mostra a crise de meia idade dessa atriz, que começa a seguir uma outra vida, a vida de uma outra mulher. Escutando as suas sessões de terapia psiquiátrica dessa mulher (Mia Farrow), Marion segue os problemas dessa vida anónima e desesperada, contrapondo com todos os erros da sua vida e tudo aquilo que ficou por fazer e dizer.
Uma Outra Mulher é um drama intimista e extraordinário sobre mulheres, sobre vidas mais ou menos mundanas, a solidão e as aparências e, também, sobre o grande teatro da existência humana. É um dos retratos das relações humanas mais apurados e detalhados de Woody Allen, e uma obra absolutamente fundamental para compreender as várias facetas dramáticas de um realizador que, aparentemente, parece ser só especialista em comédia.

3.  Crimes e Escapadelas (1989)
Muito se fala em culpa, quando os filmes de Woody Allen fazem parte de uma qualquer discussão: há um exemplo recente e paradigmático (e, acrescente-se, algo sobrevalorizado) desse tema na sua filmografia, Match Point, e noutros títulos, encontramos abordagens diferentes, mais vagas, como Homem Irracional e, em certa medida, O Agente da Broadway. Mas o filme que melhor aprofunda as raízes desse conceito e que melhor o desconstrói é, sem sombra de dúvida, Crimes e Escapadelas.
Através de duas histórias que se desenvolvem de forma paralela (e que se cruzam num momento inesperado), Allen oferece-nos duas perspectivas sobre a culpa e o crime: numa delas, acompanhamos a sua persona, mais as suas memórias e os seus vários dilemas psicológicos, amorosos e familiares; noutra, temos a história de um crime, da ambição do homicídio perfeito, em detrimento da verdade, e de todas as consequências da morte causada pela personagem de Martin Landau. Assim, Crimes e Escapadelas vai centrar-se numa intriga filosófica e com o seu quê de policial, apresentando dois mundos distintos e as suas características. Duas formas distantes de encarar a vida – e no final, quem sairá vencedor?
Como em algumas outras ocasiões, Crimes e Escapadelas serve para Woody Allen recriar a sua persona. Mas ao mesmo tempo, coloca-a em caminhos inesperados e envolventes, e que não vão ao encontro do que as nossas expectativas previam. Um filme amargo que nos controla, e que provoca reacções estranhas – porque afinal, e mesmo que seja difícil, vale a pena pensar de que lado estamos, e qual é a nossa relação com os temas tão delicados do filme.

4.  Setembro (1987)
Além de ter desenvolvido um sentido de humor muito peculiar nos seus filmes, Woody Allen foi também capaz de criar histórias dramáticas emocionantes e sedutoras. Uma das melhores encontra-se em Setembro, filme sobre relações familiares difíceis e traumas entre mãe e filha, num serão que se tornará revelador para todas as personagens. Várias mágoas e angústias estão em cima da mesa no seio de uma família perturbada, onde pouco é o que parece.
Em certa medida, Setembro desenvolve-se como uma peça de teatro, num curto espaço de tempo e com um cenário muito concentrado: apenas alguns pormenores precisariam de ser retirados ou retocados para que a história conseguisse funcionar no palco. Mas o realizador torna isto em Cinema, graças a uma mise-en-scène cuidada e singular, e não nos faz sentir que estamos perante simples “teatro filmado”: a simplicidade e simultânea grandeza das situações apresentadas são muito bem captadas pelos planos, pela densidade dos olhares e pelo trabalho impecável dos atores, preparados para darem ao espectador mais do que uma simples dramaturgia de uma bela história dramática. Aqui conseguimos sentir a influência de Bergman: Allen torna as relações entre as personagens numa “batalha” psicológica semelhante ao que o cineasta sueco concretizara no excecional Sonata de Outono. A acutilância dos diálogos é utilizada, de uma maneira marcante, por um dos elencos mais fortes e inesquecíveis dos filmes de Woody Allen.

5.  Manhattan (1979)
Não é só pelo belo plano da ponte (que ilustra também o cartaz do filme) que faz de Manhattan uma obra inesquecível. Entre todas as suas obras, é das que Woody Allen menos aprecia – anos depois da estreia, chegou mesmo a declarar: “eu só pensei: nesta altura da minha vida, se isto é o melhor que consigo fazer, eles não deviam dar-me dinheiro para fazer filmes”. Entretanto, Manhattan tornou-se muitíssimo popular, e o seu lugar no imaginário coletivo é tão marcado que não conseguimos perceber a razão desta opinião.
Foi filmado num extraordinário preto e branco, o que realça a melancolia das desventuras amorosas do protagonista, uma das variações mais interessantes da persona de Allen, e das mulheres que “protagonizam” essas memórias e momentos da narrativa. Entre os filmes mais centrados no próprio Woody e no seu estado de espírito, Manhattan consegue ser o título mais interessante e eficaz. De mencionar também os diálogos espirituosos, que vão mais a fundo na dissecação da mente confusa e neurótica do protagonista, proporcionando também o retrato mais detalhado da vida intelectual de Nova Iorque, entre todos os filmes em que o realizador abordou esta faceta da cidade. Mas além disso, Manhattan é um grande fresco sobre a vida urbana, e uma lição emocionante de cinema.

6.  A Rosa Púrpura do Cairo (1985)
Um dos mais famosos filmes sobre filmes (e sobre a magia da sala de cinema), A Rosa Púrpura do Cairo é o filme romântico perfeito de Woody Allen. Segue uma linha narrativa comum a muitos outros títulos, abordando o dilema de um protagonista entre dois amantes, o triângulo amoroso que poderá ter consequências dramáticas para todos os intervenientes. Mas esta fórmula, que Allen tem repetido até à exaustão (já que a podemos também encontrar em filmes recentes como Meia-Noite em Paris e Homem Irracional), nunca foi tão bem utilizada como nesta história – que é a de uma mulher que se apaixona pelo homem que vê no ecrã, que por sua vez, foge ao ecrã para a amar.
Numa das ideias mais belas do cineasta, o personagem e o ator que o interpreta encontram-se na realidade. Será que, no final, o mundo dos sonhos (e da cumplicidade com o grande ecrã) é melhor do que a vida mundana? Que cada um tire as suas conclusões, enquanto se delicia com o romance entre a ingénua Mia Farrow e o Jeff Daniels do mundo da película, enquanto Daniels ator (uma estrela egocêntrica típica de Hollywood) descobre este milagre e deseja recolocar o seu eu imaginário no ambiente a que pertence. Conto moral e poético sobre as relações humanas, A Rosa Púrpura do Cairo tem algumas das mais bonitas sequências dos filmes de Woody Allen, por “culpa” de um elenco magistral e de uma cinematografia bastante indicada ao ritmo e densidade desta história de amor.

7. – Nem Guerra nem Paz (1975)
Como fazer uma sátira anárquica e inteligente a um clássico da literatura? Woody Allen demonstrou-o em Nem Guerra nem Paz, uma espécie de spoof do romance épico escrito por Tolstoi. A paródia estende-se não só a momentos ou frases emblemáticas da obra, sendo uma comédia com o inevitável toque da persona de Woody Allen, e com momentos originais de humor imparáveis e hilariantes. É provavelmente, a melhor comédia do cineasta, entre aquelas que o são em estado puro, com momentos de perfeita inconsciência das consequências caóticas (e engraçadíssimas) que o seu humor pode provocar. Todas as personagens têm o seu quê de pateta, e levam a sua patetice bastante a sério: e por isso é que este filme funciona tão bem.
Mas atenção: Nem Guerra nem Paz não é só humor cáustico e nonsense, como já O Inimigo Público e Bananas tinham sido – que são variações mais inocentes de um humor cinematográfica em construção, pela mão de um realizador a dar os primeiros passos por detrás das câmaras. É uma obra cómica muito bem construída, com uma perfeita noção de timing, e que não procura o riso nos momentos mais óbvios ou “datáveis”, ou nas soluções mais fáceis e desinteressantes. Ao contrário de outras comédias “totais” de Allen, Nem Guerra nem Paz resistiu a 100% ao tempo – e quase quarenta anos depois, continua a proporcionar um cocktail explosivo de piadas e crítica inteligente a um autor incontestável. Crítica essa que, vale a pena dizer, qualquer pessoa conseguirá descodificar, não estando só “disponível” para os entendidos em Tolstoi.

8. – Uma Comédia Sexual numa Noite de Verão (1982)
No princípio do século XX, um inventor e a sua mulher convidam dois outros casais para passarem um fim de semana na sua acolhedora casa de Verão. Os resultados serão inesperados: reacendem-se paixões antigas, são revelados segredos e mentiras, e algumas mudanças acontecerão entre os três casais. Tudo isto ambientado com uma atmosfera poética, impecavelmente filmada e concretizada, com magníficas interpretações de todo o elenco (com Woody Allen e alguns dos seus atores-fetiche a marcarem presença).
Uma Comédia Sexual numa Noite de Verão é isso mesmo: uma belíssima comédia e que, infelizmente, tem sido injustamente subvalorizada. Ao contrário do que parece, este filme é mais do que uma espécie de paródia neurótica ao universo do humor shakespeariano. É uma fábula mágica sobre o amor, com alguns dos melhores diálogos dos filmes de Woody Allen.
Tem as bases de muitos filmes posteriores do cineasta sobre as relações amorosas, mas o toque impressionista (parece constantemente que estamos dentro de uma pintura) salva a originalidade do filme, tal como a abordagem classicista, e rigorosa, que a narrativa utiliza para a temática. A surpresa maior está no desenvolvimento da história, com elementos de “comédia de enganos”, que nos remete para direções diferentes, nunca deixando, por isso, de retratar as personagens e os seus conflitos de uma forma sensível e, simultaneamente, divertida.

9. – As Faces de Harry (1997)
Um dos filmes mais esquecidos de Woody Allen, mas que é também um dos mais originais e… provocadores, de toda a sua carreira. Tal como em Balas sobre a Broadway, é aqui abordada a relação entre o artista e a sua obra, mas com outra perspetiva, mais fantasista e filosófica. Allen é Harry Block (apelido que homenageia o protagonista de O Sétimo Selo, um dos filmes preferidos do realizador), um escritor perseguido pelas suas personagens e pelas referências reais que o ajudaram a construí-las.
As Faces de Harry é uma sátira intrincada à mente criativa, aos exorcismos que um autor remete nas suas obras, e à forma como é difícil de escapar desses “filhos de papel” após terem sido criados. É um dos filmes mais imprevisíveis de Woody Allen porque, além de ser mais negro e adulto do que o habitual, embarca por caminhos surpreendentes e extremamente divertidos, numa narrativa em que o real e a imaginação se confundem com grande eficácia.
Talvez seja o filme que melhor exemplifique o que Woody Allen pensa sobre o seu próprio processo criativo e sobre as histórias dos seus filmes. As personagens são o espelho do autor, só que “um bocadinho disfarçadas”, tal como Block refere, em certo ponto da trama – e não é isso que Allen tem feito ao longo das décadas, das mais variadas maneiras? Vale a pena ainda mencionar a quantidade de cameos que se sucedem ao longo deste filme, com várias estrelas famosíssimas de Hollywood que representam personagens e situações imaginadas por Block, e que em muito se assemelham à realidade da vida do protagonista, com uma ou outra exceção – uma das sequências mais divertidas é a do realizador “desfocado”, interpretado por Robin Williams, uma pequena brincadeira visual que resulta num sketch hilariante.

10. – Balas sobre a Broadway (1994)
Tendo como pano de fundo a Nova Iorque dos anos 20, Woody Allen arquitectou uma comédia rocambolesca, em que a máfia e os bastidores do teatro são também introduzidos. Com algo de humor negro e, também, momentos dramáticos singulares, Balas sobre a Broadway segue a história do dramaturgo David (John Cusack), que fará tudo para que a sua nova peça seja um êxito na Broadway (contrariando o triste destino de obras anteriores). Esse sucesso só será possível graças ao seu novo mecenas que, por coincidência, é também um dos grandes líderes da máfia nova-iorquina, que obriga David a dar um dos papéis à sua namorada (Jennifer Tilly). Ela acha que tem um “enorme” talento para revelar – o protagonista cedo perceberá a verdade -, e para participar na peça, terá de ser acompanhada pelo guarda-costas Cheech (Chazz Palminteri). Mais tarde, numa inteligente reviravolta narrativa, Cheech ajudará David a melhorar a peça, tornando-se o co-autor da mesma.
John Cusack encarna a persona alleniana, num filme repleto de figuras com características semelhantes: são personagens neuróticas, arrogantes, inseguras e, em muitas ocasiões, completamente imprevisíveis. Balas Sobre a Broadway segue o percurso moral mais convencional de muitos filmes de Woody Allen (a infidelidade, as discussões filosóficas, os pormenores mais subtis das relações humanas), mas tem muito mais do que isso. Para além de uma história construída de forma exemplar (com alguns dos melhores diálogos escritos por Allen), que satiriza alguns estereótipos da sociedade americana da época (e que inverte a função de outros), o filme conta com brilhantes prestações de um magnífico elenco, e também, com um olhar único, e melancólico, sobre a relação entre o artista e a sua criação.

4 Comments on Os 10 melhores filmes de Woody Allen

  1. Óptima sátira também sobre o valor da arte, o seu contexto comercial e as pretensões de quem aspira a ser artista. David idealiza a arte e aspira à grandeza através da dor do processo criativo enquanto que Cheech, sem pretensões ou esforço, escreve naturalmente o que é reconhecido imediatamente como algo grandioso. Genial a troca entre Sheldon e David, quando aquele diz nunca ter produzido uma peça este responde: “Sim, mas isso é porque és um génio . E a prova é que tanto as pessoas normais como os intelectuais acham o teu trabalho completamente incoerente. Significa que és um génio”.

    António Araújo
    http://www.segundotake.com

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  2. É um interessante filme, sim, mesmo que não um dos meus preferidos dele.

    Bons filmes,
    http://www.cinemaschallenge.com

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  3. Boas escolhas nas posições 9 a 7: um Woody Allen amargo a lidar com o processo criativo (As Faces de Harry) e duas apropriações de grandes obras literárias (Nem Guerra Nem Paz – Tolstoi e Uma Comédia Sexual numa Noite de Verão – Shakespear) que demonstram que bons artistas copiam, mas grandes artistas roubam.
    António Araújo
    http://www.segundotake.com

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  4. Falta aí muita coisa interessante. Eu tirava 5 desses e colocava: Annie Hall, Radio Days, Midnight in Paris, Zelig, Husbands and Wives

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