‘Adeus à Linguagem’, de Jean-Luc Godard
Jean-Luc Godard, actualmente com 84 anos, está constantemente a testar as fronteiras do seu próprio cinema e em Adeus à Linguagem volta a fazê-lo, da forma mais conseguida dos últimos tempos. O filme representa por isso uma dupla vitória: não só a experimentação é bem sucedida como o uso do 3D revela-se eficaz no seu propósito.
Narrativamente, a coerência é pouca, mas isso pouco importa num filme que é acima de tudo um ensaio visual. As imagens são ligadas rapidamente, numa junção de ideias e esboços com algumas frases e citações. Uma crítica à sociedade, narrativas paralelas e várias referências históricas. Nesta amálgama as metáforas saltam, literalmente, à frente dos nossos olhos e de um ouvido para o outro. É também por isso que o 3D é diferente aqui: esta experimentação chega a magoar-nos os olhos e os ouvidos, incomoda, rompe. Se em relação ao som passamos pelo estéreo, mono e momentos de um silêncio total, em relação à imagem passamos por imagens que se dissipam, alguns tons psicadélicos e outros demasiado saturados.
No fundo, o que distingue Adeus à Linguagem? É essencialmente a forma como é feito: o que vemos são dois filmes captados de ângulos ligeiramente diferentes e projectados depois separadamente – a cada câmara o seu olho – fundindo-se as imagens posteriormente. Se normalmente o 3D tem como objectivo mimetizar a realidade, aqui isso não acontece. Em Adeus à Linguagem, há momentos em que olhos e cérebro entram em oposição, cada um a seguir aquilo que quer ver. Numa experiência que não é imersiva nem pretende sê-lo, o 3D é só mais uma tentativa de Godard, um artifício, tal como as legendas, que servem o objectivo comum, muitas vezes dissonantes do que está a ser dito.
No meio disto tudo, há personagens que se conseguem destacar, como o próprio cão do realizador, que acaba por tornar-se uma estrela e roubar algumas das cenas, ou o casal que tentar chegar a alguma forma de comunicação, passando por várias tentativas falhadas de linguagem comum.
Em Adeus à Linguagem, Godard faz algo que não pode ser comparado, pois ainda não tinha sido feito, pelo menos desta forma. Usa o 3D e eleva-o a outras potencialidades. É um adeus a uma outra linguagem, à linguagem do cinema, mas um aceno à inauguração de uma outra, revelada aqui. – Renata Curado
Adeus à Linguagem (Adieu au langage, 2014)
Realizador: Jean-Luc Godard
Elenco: Héloise Godet, Kamel Abdeli, Richard Chevallier
Distribuidora: Midas Filmes
( 4 / 5 )
A autora do texto escreve segundo a antiga ortografia

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