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Visage, ‘Orchestral’

‘Orchestral’ apresenta um conjunto de regravações, com arranjos orquestrais de temas dos Visage, colhidos entre discos antigos e o álbum de regresso editado em 2013.

Texto: NUNO GALOPIM

Isto dos regressos e das reuniões é coisa mais vezes desastrosa ou inconsequente que verdadeiramente revivificante. Desde que a música pop/rock tem tempo de vida para poder dar às bandas tempo de existir, separar e voltar a juntar (e aqui os hiatos são dos poucos aos muitos anos), já perdemos as contas dos que se juntaram… Mas se formos ver bem quais foram as reuniões que valeram mesmo a pena… É verdade, muito poucas. E quando há poucos anos Steve Strange começou, por portas e atalhos, um processo de reativação dos Visage – que já passou por várias formações e ideias – a coisa em nada parecia capaz de reativar o (breve) momento consequente que o grupo viveu enquanto paradigma do movimento new romantic.

Era uma vez 1979. Londres havia nova gente que respirava entusiasmo pelas lições recentes de David Bowie, pela descobertas das potencialidades da integração das eletrónicas que então chegavam a cena entre os herdeiros dos Kraftwerk (e restantes pioneiros) e pelo pelo fulgor escapista e dançável do disco, juntando ainda um ingrediente extra: a vontade de redescobrir o prazer festivo do culto da imagem ao jeito do glam rock (afinal tinha sido essa a banda sonora da sua juventude). As ‘Bowie Nights’ (como eram conhecidas) tornaram-se o espaço de celebração de uma pequena multidão, sempre vestida a rigor para a ocasião. No bengaleiro estava um rapazito que daí a pouco tempo seria conhecido como Boy George. Na cabine, a cruzar os discos, o DJ Rusty Egan. E na porta, a deixar entrar apenas os que vinham com o look exigido, morava o mais exigente porteiro da noite londrina de então. Chamava-se Steve Strange e, com o DJ de serviço e mais alguns músicos (sobretudo recrutados entre elementos dos Magazine e Ultravox) criou uma banda para dar voz à música e atmosfera que ali se vivia. Chamaram-lhe Visage, ao movimento – inicialmente conhecido como o “culto sem nome” – acabou por se dar o rótulo new romantic, servindo então de plataforma de lançamento para nomes como os Spandau Ballet, Classix Nouveaux ou Duran Duran.

Os Visage lançaram dois álbuns marcantes. Visage (1980) e The Anvil (1982) exploraram a identidade dos encontros que definiam aquelas noites vistosas. Mas uma cisão deixou Steve Strange sem alguns dos colaboradores fulcrais (entre os quais Midge Ure, que resolve concentrar atenções nos Ultravox) e quando em 1984 os Visage lançam o terceiro álbum, Beat Boy, revelavam um escorregão para um rock banal, com desejos de sofisticação e estilo (mas sem o ter).

A coisa ficou por ali. Steve Strange criou uma banda de perfil rock a sonhar talvez com o palco. Eram os Strange Cruise, e não sobreviveram a um primeiro (e medíocre) álbum.

Após um longo hiato, e depois de vários ensaios de regresso, Steve Strange reativou discograficamente os Visage em 2013 lançando Hearts & Knives, álbum que tentou estabelecer pontes de ligação rumo ao som original do projeto, embora com um conjunto de canções de mais baixo calibre criativo e com o peso de uma identidade datada a assombrar toda a ideia do renascimento. Alguns velhos admiradores aderiram. Mas o disco passou a quilómetros das atenções.

Em finais de 2014 uma segunda expressão desta nova vida dos Visage chegou a disco. Desta vez em jeito de diálogo com o seu acervo de canções mas… em regime orquestral. Nada contra o relacionamento das orquestras com a música, diga-se antes de mais. Os encontros entre Zappa e Pierre Boulez, da voz de Scott Walker com grandes arranjos orquestrais, entre os Divine Comedy e a orquestra junto da qual se apresentaram nos anos 90 no Shepard’s Bush Empire ou o recente diálogo em palco entre John Grant e a BBC Philharmonic Orchestra são belos exemplos das potencialidades a explorar. Aqui, contudo, mais que procurar formas de entender estas mesmas canções num quadro orquestral, o que encontramos é uma proposta de arranjos verbo-de-encher. O carácter visionário que algumas destas canções possam ter tido há mais de 30 anos parece agora um desfile estafado de liftings com cordas que, na verdade, abafam mesmo o que de mais característico havia nas versões originais. Mesmo instrumentalmente competente, a Prague Philharmonic Orchestra e a Synthsymphonic Orchestra não podem fazer muito mais com arranjos pouco ágeis, nada surpreendentes, alguns mesmo aborrecidos.

Ter uma orquestra como caução de séria coisa vintage não é argumento. Ou, pelo menos, em Orchestral, não serve para dar às canções dos Visage o papel que merecem ter na história. Que tal, antes, uma edição “expandida” dos dois álbuns originais, com os extras – os lados B, máxis e eventuais inéditos? Fariam muito melhor serviço à banda…

Visage
“Orchestral”
CD, August Day
( 1 / 5 )

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