A guerra é a guerra
Conhecer a História não se faz só com visitas turísticas a monumentos de pedra, museus e ruas antigas. Há livros, muitos livros que são grandiosos monumentos históricos pela sua forma e conteúdo e que precisam urgentemente de ser conhecidos. A Retirada dos Dez Mil de Xenofonte é um desses exemplos. A guerra entre Ciro e seu irmão Artaxerxes II, imperador Persa, surge aqui documentada e pode ser lida como “um dos mais movimentados e arrebatadores livros de ação que jamais se escreveram (…) sobre uma marcha que ficou na história como um dos mais celebrados feitos militares de todos os tempos”, afiança o escritor Mário de Carvalho.
Em Portugal só existia uma tradução feita por Aquilino Ribeiro, em 1938, e há muito esgotada. Em outubro a editora Bertrand fez um enorme serviço público à cultura portuguesa reeditando esta mesma tradução onde Aquilino conta as peripécias que o fizeram chegar a este livro, nos seus anos de estudante em Paris. A nova edição conta ainda com um pequeno prefácio assinado por Mário de Carvalho onde ele afirma: “Lê-se empolgadamente como um romance de guerra. Trata personagens, factos e locais verídicos, transfigurados por uma pena ágil e poderoso vigor expressivo”.
A Retirada dos Dez Mil é considerado um dos primeiros livros de História e Xenofonte um dos mais antigos historiadores, muito embora ele tenha participado na guerra e tenha comandado as tropas gregas no regresso a casa. Foi por assim dizer, um observador participante muito à maneira do nosso Fernão Mendes Pinto.
Homem culto, discípulo de Sócrates, Xenofonte viveu quatro séculos antes de Cristo, e a sua excepcional narrativa tornou-se um manual sobre a guerra mas também uma metáfora do esforço humano para regressar a casa. Ficou célebre a exclamação de um soldado grego quando, depois de muitos meses a caminhar por desertos e montanhas, avista o mar Negro e percebe que está perto do lar: Thalassa!Thalassa! Um grito que ecoa nos nossos ouvidos até hoje e nos devolve o mesmo alívio e a mesma esperança depois de um grande desespero.
O enredo é simples: o jovem príncipe Ciro cobiça as terras que seu irmão mais velho herdou e consegue através de amizades, manipulações e mentiras juntar um exercito composto maioritariamente por mercenários gregos que marchará até às portas de Babilónia e regressará depois pelas montanhas do Curdistão, Arménia e Geórgia até à atual Turquia. A batalha de Cunaxa ditou a vitória dos gregos mas também a morte de Ciro pelo que os soldados ficaram sem razão em terra alheia decidem regressar a casa. É este regresso mítico, aventuroso e trágico que trata A Retirada dos Dez Mil, uma obra de uma actualidade espantosa que nos mostra como os homens se comportam dentro dos conflitos, como são ambiciosos, violentos, ternos, generosos, cruéis, vingativos., traidores. Contradições e paradoxos muito humanos ontem como hoje e que Xenofonte soube captar com argúcia.
Anabase é o titulo original que Aquilino mudou para A retirada dos dez Mil, palavra grega que significa “marcha para o interior” é composta por sete partes ou sete livros que juntam descrições, memórias e fazem deste livro uma “obra tão universal na ação e no sentimento como a Odisseia de Homero”, escreveu Aquilino Ribeiro. – Joana Emídio Marques
Xenofonte
“A Retirada dos Dez Mil”
Trad. Aquilino Ribeiro
Bertrand, 264 págs.
ISBN 9789722528979
(nota)

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