Não é só a voz, são as canções também
Texto: JOÃO MORGADO FERNANDES
Há três coisas maravilhosas nos discos de Madeleine Peyroux, o que é, convenhamos, uma invulgar concentração de maravilhas. A saber: as canções, as orquestrações, a voz.
Comecemos pelo princípio. Em vez de ir buscar os standards do costume, como seria de esperar em discos deste género (jazz ligeiro) – o que, em certa medida, ainda aconteceu na primeira gravação (Dreamland, 1996) – Peyroux opta por um repertório mais contemporâneo e inesperado: Randy Newman, Chaplin, Gainsbourg, Warren Zevon, Dylan, Elliot Smith, Cohen… Não satisfeita, tem vindo crescentemente a apresentar composições em nome próprio, que nada ficam a dever aos consagrados.
Depois, as orquestrações. Também elas fogem à norma esperada e são todas elas muito cuidadas e desenhadas especialmente para cada tema, como se cada um merecesse uma coreografia de pormenor. Sempre de uma enorme delicadeza, de forma a fazer sobressair a voz.
A voz, precisamente. Quando Madeleine gravou o primeiro disco, os classificadores apressaram-se a arrumá-la na prateleira de Billie Holiday. Talvez pelo fraseado um tanto arrastado, quase balbuciado. Outras comparam-na hoje com Nora Jones, eventualmente pela sensualidade desprendida, involuntária. Madeleine Peyroux é um pouco de tudo isso e as canções que interpreta em francês (pelo menos uma em cada disco) ainda vincam mais essas características.
Esta dupla colectânea percorre os seis discos de estúdio, sem qualquer preocupação cronológica, e junta-lhe um inédito: Keep Me In Your Heart, de Warren Zevon. Uma excelente oportunidade para um retrato completo de uma artista consistente e cuja trajetória faz prever o melhor.
Madeleine Peyroux
“The Best Of – Keep Me In Your Heart For A While”
Universal
4/5

Deixe um comentário