O mundo da matemática treme
Texto: JOÃO FERNANDES
A Internet e a World Wide Web causaram uma revolução na maneira como as pessoas comunicam umas com as outras, e essa agitação chegou também ao mundo das publicações académicas, abrindo a possibilidade de os autores de artigos científicos partilharem livremente o seu trabalho nos seus próprios web sites ou em repositórios online como, por exemplo, o arxiv.org. Essa possibilidade tornou-se numa necessidade quando surgiram os journals Open Acces (OA), de forma análoga ao aparecimento do movimento do software livre e open source (código aberto). Ao mesmo tempo, abriu-se uma caixa de Pandora de editoras comerciais de artigos científicos OA com nenhum cuidado com a qualidade dos trabalhos publicados, nem qualquer controlo sobre o que publicavam, apenas preocupadas com os lucros que poderiam obter, não cobrando taxas aos leitores das suas publicações, mas sim aos seus autores, aproveitando-se da sua própria necessidade de comunicar com os seus pares.
É neste mundo de “editoras predadoras” que mergulha Jorge Buescu no primeiro capítulo do seu mais recente (e quinto) livro, Primos Gémeos, Triângulos Curvos, e outras histórias da Matemática, onde conta como tenta engana-las para publicar um artigo cientifico gerado por um programa de computador, sem qualquer sentido nem significado, dando uma importante vista sobre uma das atuais crises do mundo científico.
Os dois seguintes capítulos dão outras duas vistas sobre o mundo da matemática na atualidade. Num, conta como através da colaboração online, um grupo de matemáticos, alguns mais reconhecidos que outros, conseguiram dar largos passos para provar a chamada conjetura dos números primos, em pouco mais de um ano. Noutro, reflete sobre a atribuição pela primeira vez a uma mulher do mais prestigiado prémio em matemática, a Medalha Fields, em 2014, e sobre os outros vencedores do mesmo prémio nesse ano, deixando uma clara mensagem para os seus leitores: o talento deve ser procurado e descoberto precocemente e ser continuamente estimulado para alcançar grandes resultados.
Nos restantes capítulos encontram-se uma colecção de factos, histórias e reflexões sobre problemas diversos que foram, em algum momento na Historia mais distante ou mais próxima, abordados matematicamente, com resultados variadamente fascinantes, curiosos ou surpreendentes.
Na escrita ligeira, mas cativante, percebe-se não só o gosto e entusiasmo, mas também a experiência de Jorge Buescu na comunicação e ensino da matemática. Atualmente é Professor Associado com Agregação na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, onde, pelas suas próprias palavras, nas suas aulas de Álgebra Linear, tem o hábito de gritar aos alunos do 1º ano que “Não se pode multiplicar vectores!”. Semelhantes historias ouvi de colegas meus mais velhos das suas aulas anos antes no Instituto Superior Técnico, onde terá dito que “no espaço dos vegetais, um vector é uma batata”, avisava aos alunos que “um vector não é uma setinha” e ameaçava chumbar os que não soubessem discernir se o seu número de aluno era par ou ímpar (de facto, a página da web onde esse aviso é feito ainda está online, e ainda provoca riso no autor destas linhas de cada vez que a visita).
É com esse seu sentido de humor que Buescu torna o seu livro numa leitura divertida e deliciosa para todos os que se interessem por matemática, simultaneamente debruçando-se sobre a atualidade e sobre outros tópicos mais típicos de livros de divulgação da matemática, mas não por isso desprovidos de interesse.
O livro ‘Primos Gémeos, Triângulos Curvos e Outras Histórias da Matemática’, de Jorge Buescu, foi publicado pela Gradiva como o nº 210 da coleção Ciência Aberta.

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