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Córtex 2015: os filmes da competição internacional

Uma a uma, aqui vão surgir as críticas aos filmes da competição internacional nesta edição 2015 do Cortéx.

"Mur"

Pandas, de Matus Vizar

A curta de animação Pandas, do realizador checo Matúš Vizar venceu o terceiro prémio na competição de curtas e médias-metragens do festival de Cannes em 2013. Com um tom declaradamente absurdo, a curta inicia-se com uma “evolução das espécies” psicadélica, cores fortes e imaginário violento e perturbante, e acaba num cenário pós-apocalíptico (um inferno futurístico inspirado em Bosch). Impossibilitado de se suicidar, salvo pelos seres humanos e colocado num zoo, o panda torna-se a figura onde se projectam a crítica e o humor corrosivo do autor, num filme de apenas 12 minutos cheio de ideias provocadoras sobre a alienada vida contemporânea: uma vida “sem bateria” e sem sentido. – Diogo Seno

 

En Maler, de Hlynur Palmáson

Um artista vive isolado no norte da Dinamarca. Um dos seus oito filhos visita-o e destabiliza a sua existência isolada.
A média metragem de Hlynur Palmáson não tem pressas. É um retrato curto mas atmosférico e contemplativo sobre um artista recluso, com dificuldade de se expressar por palavras e de criar relações com os outros, fechado no seu pequeno mundo.

En Maler começa com o pintor de costas para a câmara. À sua frente encontram-se o campo, uma cabana e dezenas de latas de tinta espalhadas pela relva. Chama por um cão que escapa da cabana e ambos saem do enquadramento. Segue-se um belo e longo tracking shot (um dos vários do filme), que nos mostra a paisagem envolvente: o campo dinamarquês, verde contra azul, cavalos selvagens, um fim de tarde com uma luz especial. Visualmente bastante maduro, o filme não se compraz apenas na beleza do espaço, explora-o e contrasta-o com as personagens. Numa conversa entre o pintor e um jornalista (num plano fixo admirável, com o filho a trabalhar ao longe na cabana enquanto as personagens discutem sentadas a uma mesa), um dos vários momentos de confronto do filme que ilustram a sua dificuldade de criar relações, o pintor é questionado sobre a luz e a sua importância nas suas obras e de seguida, sobre a sua relação com os seus filhos. A conversa testa a paciência do pintor, que acaba a agredir o jornalista. Ao tentar fotografá-lo, o jornalista tem que obedecer às indicações do retratado, que quer aparecer com os pês “assentes na terra”. Pequenos momentos de tensão e de diálogo, num filme maioritariamente de silêncios, que ajudam a definir as personagens. Uma pequena e subtil obra sobre a necessidade de criar e as exigências da produção artística, de um realizador com talento para a criação de uma atmosfera e de personagens apenas com os mais pequenos indícios. – D.S.

 

Mur, de Andra Tévy (França)
(passa domingo, às 16.00)

Estreia na realização da francesa Andra Tévy (que já trabalhou, por exemplo, como primeira assistente de câmara de Abdellatif Kechiche em Vénus Negra), Mur acompanha o duro labor de Éliane (Évelyne Didi) no ginásio onde faz limpezas durante a noite, sozinha no amplo espaço do pavilhão onde é auxiliada apenas pelos utensílios de limpeza.

Todavia, numa noite de inverno em que neva, Éliane, ao preparar-se para se render a mais um serão de trabalho físico esgotante para a sua idade (é já uma mulher idosa, com muitos cabelos brancos), é surpreendida pela entrada de neve no salão através de uma janela aberta situada acima da parede de escalada onde durante o dia se exercitam os clientes do ginásio.

E assim o lugar da labuta torna-se espaço de descoberta quando Éliane decide pôr-se à prova e escalar a parede, qual montanha artificial de cume nevado, deixando para trás o seu penoso dever e desafiando as suas expectativas chãs mas também a sua arrefecida e deslizante autoestima. – Nuno Carvalho

 

‘Wedding Cake’, de Viola Baier (Alemanha)
(passa domingo, às 16.00)

Wedding Cake (2013) é a segunda curta metragem da Viola Baier, uma animadora alemã talentosa que desde que acabou a Filmakademie que está a trabalhar em Minions, um spin-off de Despicable Me (2010) e Despicable Me 2 (2013) que vai estrear este ano. Wedding Cake foi um trabalho de final de curso — o esforço anterior, Manége Magique (2010), também foi um trabalho de faculdade — cuja animação lembra a estética Pixar, especialmente o filme Ratatouille (2007) talvez também por envolver comida, embora numa versão mais, compreensivelmente, rudimentar. Os oito minutos de Wedding Cake giram em torno de duas figuras em maçapão de dois noivos no topo de um bolo de casamento confeccionado na perfeição que, uma vez embrulhados e escondidos do mundo, ganham vida e começam a portar-se como os noivos que representam. Usando a cobertura do bolo, começam a esculpir o seu casamento, tentando torná-lo o mais perfeito possível, mas rapidamente obrigados a fazer compromissos (um cão em vez de um bebé) para preservar a felicidade um do outro. Que o título sacarino de Wedding Cake não engane porque, ao contrário do conto-de-fadas que a curta-metragem parece narrar, o ambiente rapidamente amarga e incompatibilidades, vagamente clichés, borbulham cada vez mais ao de cima até transbordarem. De um modo decididamente tongue-in-cheek, Wedding Cake é um olhar bastante honesto sobre as dificuldades do casamento, a morosidade do dia-a-dia e a dificuldade em fazer compromissos mas que, apesar do sabor agridoce, tem sempre sentido de humor. – Ana Cabral Martins

 

Toi Quên Roi?, de Eduardo Williams (França)
(passa hoje, às 15.00)

Um espantoso exemplo de diluição das linguagens do cinema documental e o de ficção corre pela medula de Toi Quên Rói? (com o título em inglês I Forgot), filme de Eduardo Williams, realizador de origem argentina que conta entre a sua curta – mas já expressiva – filmografia o maravilhoso Pude Ver Un Puma (2011), uma das melhores curtas-metragens que me lembro de ter visto nos últimos anos. Há, de resto, várias possíveis ligações deste seu novo filme (apresentado como documentário) a essa outra curta. Estamos em Hanói (Vietname), entre as ruas da cidade, acompanhando um rapaz (e muitas vezes os seus amigos), entre os vários trabalhos que vai fazendo e passeios por ruas mais distantes, algumas delas em construção. A câmara segue-os de perto, tornando-se invisível na sua presença, observa os seus passos e gestos, acompanha-os em caminhadas, escuta furtivamente diálogos incidentais. Coisas do dia a dia. Coisas da vida de quem ali vive.

Ao chegarmos com o protagonista (e seu grupo de amigos) a um complexo de casas em construção, ainda pouco mais que betão e cantarias, estamos já no seu mundo. Com eles saltamos de janelas em janelas e subimos aos telhados. E entre esta desolação de betão as imagens (antes de um surpreendente plano final) evocam o início de Pude Ver Un Puma, onde víamos um grupo de rapazes entre terraços de edifícios sem mais vida por perto. As caminhadas e a presença ocasional de charcos e água de rios junta elementos comuns aos dois filmes. Podem até comunicar entre si. Ou nem por isso. Mas essa é uma arte que pode caber ao espectador. – Nuno Galopim

 

More Than Two Hours, de Ali Asgari (Irão)

Com algumas afinidades para com as linguagens de um certo realismo (visual e narrativo) que vimos em Uma Separação de Asghar Farhadi, o filme iraniano More Than Two Hours acompanha a demanda noturna de um jovem casal que começamos por encontrar com um problema de saúde entre mãos e acaba confrontado com um dilema moral maior capaz de se sobrepor a todos os mais medos ou complicações que lançam a narrativa.

Estamos num carro, ele a conduzir, ela a seu lado, com frio. Tinha sido a sua primeira vez. A dela, pelo menos. E uma hemorragia inesperada atira-os em busca de ajuda num hospital público. Documentos? Serão casados? Se não forem não há aparentemente uma fácil saída oficial para o caso. A busca de uma solução clínica, que exige uma cirurgia imediata, entra em choque com regras ditadas pela moral. E em apenas 15 minutos de uma simples narrativa, sem corantes nem conservantes nem distrações, lança-se mais uma reflexão sobre como a ordem moral tantas vezes fala contra a ordem humana das coisas. – N.G.

 

Canard ou Lapin? – Christine Grulois e Gilles Bissot

Na era dos telemóveis, eis uma curta que revela a enorme fragilidade das relações humanas que as tecnologias não conseguiram ainda eliminar. Canard ou Lapin é a história de uma mãe que perde a filha, ao distrair-se enquanto fala ao telefone com o ex-marido. É tão simples quanto isto, mas os resultados desta situação acabam por ser relevantes para os tempos perigosos que correm. O descuido da protagonista desencadeia uma sucessão de acontecimentos revelados em paralelo, mostrando as reações das duas personagens – a mãe desesperada e a filha ingénua, que acaba por sofrer as consequências dessa mesma ingenuidade. Ao estarmos mais próximos uns dos outros virtualmente nesta sociedade que está 24 horas online, perdemos cada vez mais a noção “palpável” da realidade. E custa perceber como é fácil (e hoje, talvez, mais do que nunca) perder aqueles que amamos de um momento para o outro.

Mas Canard ou Lapin fica pelas intenções, abordando de forma leve um tema grave que, por parecer tão “banal” neste século, tornou-se fait-divers. Os realizadores Christine Grulois e Gilles Bissot souberam apontar, com subtileza, para o tema. Mas ficaram-se pela simples demonstração, não desenvolvendo nem explicando a finalidade daquilo que acompanhámos ao longo de 15 minutos. Filmada com poucos meios (o que se nota pela realização e a montagem desequilibradas e pelo conjunto de interpretações irregulares que aqui encontramos), esta curta-metragem pedia um melhor desenvolvimento narrativo. – Rui Alves de Sousa

 

Miruna – Piotr Sułkowski

Começa com o fim de uma relação, que vai originar uma outra, mais acidental. Miruna é uma curta obscura que, com o auxílio de uma montagem acertada, coloca em confronto o passado (mais “vivo” e colorido) do protagonista com o presente (dominado por cores frias e sombrias) ao longo de uma viagem de carro que faz tudo acontecer. Em ambos os períodos, há uma obsessão por um peixe: o que dá nome a esta história, e que carrega em si alguns significados subtis e intrigantes na psicologia das duas figuras. Curioso exercício de estilo bem ritmado e composto, Miruna envolve-nos num mundo negro, com uma essência dramática que rapidamente conseguimos desvendar, que ganha com as ideias visuais do realizador Piotr Sulkowski. E talvez seria bem interessante transformar esta curta numa longa metragem, explorando as intenções desta personagem e da sua relação com o passado. – R.A.S.

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