Canções de perda e recordação
Texto: NUNO GALOPIM
Quando, com uma digressão japonesa ainda pela frente, Dean Wareham anunciou a saída (e o fim) dos Galaxie 500 em 1991, Damon Krukowski e Naomi Young deram por si com um lote de sessões inacabadas em estúdio nas mãos. Os tempos que se seguiram viram-nos de mangas arregaçadas, a trabalhar na editora livreira que eles mesmos haviam criado dois anos antes e pela qual estavam a relançar textos de autores dos séculos XIX e XX como Guillaume Apollinaire, Antonin Artaud ou Fernando Pessoa. Desafiados a regressar a estúdio, acabaram por completar um álbum, que editaram em 1992 com o título More Sad Hits, encetando um percurso musical pós-Galaxie 500 que assim não fechou nas experiências posteriores de Wareham (via Luna ou em parceria com Britta Phillips) a expressão de descendências de uma das mais marcantes bandas indie norte-americanas de finais dos oitentas e inícios dos noventas.
A música nunca esgotou os horizontes criativos de Damon e Naomi. Ele foi trabalhando sobretudo a escrita (entre a poesia e a prosa, chegando mesmo a escrever sobre música, publicando na Pitchfork). Ela, por seu lado, foi focando atenções na fotografia e trabalho em vídeo, tendo mesmo assinado telediscos, apresentando agora um primeiro filme da sua autoria. Tem por título Fortune, é uma curta-metragem com cerca de 30 minutos, sem palavras mas com banda sonora feita de canções suas e de Damon. Ou seja, o novo álbum de Damon & Naomi não é senão a banda sonora para este filme que reflete sobre a perda de um pai (um artista), situação na verdade não estranha ao passado recente na vida pessoal de Naomi.
Fortune, que representa o primeiro conjunto de novas gravações de Damon & Naomi desde o álbum False Beats and True Hearts. Mais que uma explicação para a narrativa as canções surgem como um complemento que com as imagens anda de mãos dadas, revelando um corpo de canções, ajustadas ao ritmo das cenas, sempre toldadas pela melancolia, e nas quais vão alternando as vozes de Damon e Naomi. Os arranjos são subtis mas longe de minimalistas, seguindo pistas de uma linguagem que tem as memórias dos Galaxie 500 na sua genética mas todo um percurso a dois vivido em discos publicados depois de 1992.
Sem esconder o tom elegíaco que o filme ajuda a materializar, as canções fazem de Fortune um belo álbum sobre a perda e a memória. Mesmo longe de descritivas, são parte inevitável do corpo do filme, sendo que em disco conseguem ter também uma vida própria. Uma boa banda sonora, portanto.
Damon & Naomi
“Fortune”
CD, 20/20/20
4 / 5
O filme está disponível aqui

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