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De olhos bem abertos

Texto: NUNO GALOPIM

Foi depois de ouvir dizer (e ler) que o novo filme de Tim Burton nem se parecia de todo com o seu cinema que me resolvi, de vez, a ir ver os Olhos Grandes. E saí da sala com aquela sensação que se tem quando se encontra fonte fresca em dia quente de verão. Há dez anos que não o via assim. Porque, mesmo sem ser uma obra-prima para colocar ao lado de Eduardo Mãos de Tesoura ou esse suprassumo de sarcasmo gourmet que é Marte Ataca!, este é mesmo o melhor filme que nos dá desde Charlie e a Fábrica de Chocolate (que é de 2005).

Se a bitola pela qual alguns gostam de “avaliar” o cinema de Burton é aquela de filmes em que a art direction afoga a arte de contar histórias, nada como viajar no tempo para lembrar que nem sempre assim a coisa foi. E, de facto, depois da quase paródia de si mesmo atingida no menor Sombras da Escuridão, aprofundando um caminho já sugerido no predomínio do cliché visual sobre a reflexão na adaptação de Alice no País das Maravilhas, havia que parar para pensar.

Ao ver, há alguns anos, a exposição que lhe foi dedicada pelo MoMA (e depois passou pela Cinemateca de Paris) não fiquei com dúvidas nenhumas sobre o papel determinante que a construção de imagens nascida de uma antiga pulsão pelo desenho seria sempre parte determinante da sua linguagem. Contudo, e basta recordar alguns dos seus melhores filmes, em Tim Burton sempre encontrámos um belíssimo contador de histórias, sobretudo de figuras solitárias ou alienadas, capazes de algo diferente que nem todos parecem reconhecer… E a história (real) de Margaret Keane – a pintora de quadros com rostos de olhos grandes, que durante anos o marido apresentou como sendo seus e não da verdadeira autora – não podia ser mais ajustada a um cinema senão o de Tim Burton!

Em boa hora Tim Burton resolveu olhar para a pintura de Margaret Keane e nela encontrar a alma bizarra que gosta de retratar. Não aplicou “filtros” nem maquilhagem em piloto automático. Limitou-se a contar uma história – como tão bem ele sabe fazer – e como David Lynch o mostrou quando fez Uma História Simples.

Não há nada de Tim Burton nas imagens? Olhemos bem, e de olhos bem abertos, como sugerem as figuras pintadas por Margaret Keane. E vejamos, por exemplo, se aquela cidade de onde a protagonista foge (uma magnífica Amy Adams que faz pensar ainda mais sobre a incapacidade de os Óscares retratarem o que de melhor aí se faz) não é senão uma prima não muito afastada daquela que vimos em Eduardo Mãos de Tesoura? Já agora vale a pena notar que os planos dessa mesma fuga são do mesmo esteta. A diferença é que aqui há luz e cor. Como no Hawai, para onde faz uma segunda fuga.

Sim, gostei do filme (e até mesmo da forma como o próprio Danny Elfman saiu do modo piloto automático que tem vestido na hora de trabalhar com o realizador e pensou uma música diferente). E sim, sempre gostei de Tim Burton e estava desencantado com o caminho recente da sua obra. Olhos Grandes deu para fazer as pazes. Afinal é nome para continuar a acompanhar com gosto.

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