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A triste família

Texto: JORGE REIS-SÁ

Vertebrado, anguloso, curto e acutilante. É assim “Acabar com Eddy Bellegueule”, de Édouard Louis, livro trazido ao público português pela novíssima Fumo Editora.

Antes, era heresia. Desde que alguém disse que a literatura era um corpo negro, que não havia nem necessidade, nem pertinência, de andar a saber dos autores. O texto é que era – desde essa altura (e estamos a falar do início do século XX) que o destino ficou traçado. Até se falou, dizem-me, da morte do autor. Mas eis que, como a do Mark Twain, também essa foi extramente exagerada.

Há uns anos que se tem vindo a perceber que, se a literatura pode bem ser corpo negro, afinal também tem quem o construa. David Shields escreveu um manifesto, Reality Hungers, e o povo escrevente percebeu que podia sair do armário. Daí até à Minha Luta do sueco com nome estranho (Karl Ove Knausgaard) e a Acabar com Eddy Belleguele do menino Édouard Louis, fui um pequenino passo.

Não li o primeiro volume da luta em seis tomos que Knausgaard escreveu, já disponível em Portugal pela sapiente mão da Relógio D’Água. Mas li o pequenino livro de Louis e percebi que a literatura é um corpo negro mas toda a gente gosta do “baseado em factos verídicos”. Então se os factos que se expõem forem os do autor da obra, eis que a fome de verdade (citando Shields) se impõe como tão necessária como suficiente. Ah, estruturalismo! Ah, formalismo russo! Onde andareis vocês, revolvendo-se na urna por esta heresia? Mas tenham calma que não é assim tão radical o corte.

Porque, afinal, se o texto não fosse tão bom como é – e é mesmo bom: vertebrado, anguloso, curto e acutilante – de nada valia sabermos que a personagem é, não só autor, como também a sua vida. Ao ponto de, em ambas as capas, vermos não mais que retratos bem grandes de Louis e Knausggard, no primeiro caso tão gentil como se percebe Bellegueule quando se lê o livro.

Mas percebi também outra coisa: dois livros onde se quer a realidade voraz, partimos de onde e para onde? De e para a família. No caso do livro de Louis é quase asfixiante a maneira como tudo roda em volta do pai, da mãe, dos irmãos, até de primos na família mais alargada. Tolstoi escreveu que todas as famílias felizes se parecem umas com as outras mas cada família infeliz, é infeliz à sua maneira. Se a moda pega, iremos finalmente ter os verdadeiros naperons expostos em livro tão repetidamente que tiraremos esta frase a limpo.

Nota final para a qualidade da edição, trazida ao público português pela novíssima Fumo Editora.

“Acabar com Eddy Bellegueule”
Édouard Louis
Fumo Editora, 212 pp.
ISBN 978-989-99254-0-3
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