O sonho americano
Texto: NUNO CARVALHO
A Jaula de Ouro, primeira longa-metragem do espanhol Diego Quemada-Díez, traz à memória um outro filme com o qual mantém fortes semelhanças: trata-se de Sem Nome (Sin Nombre, 2009), do americano Cary Fukunaga (que com esse filme obteve o prémio de realização no Festival de Sundance de 2009, e que há alguns meses ganhou um Emmy pelo seu trabalho na série do HBO True Detective – o vencedor do ano anterior deste mesmo prémio havia sido nem mais nem menos que David Fincher com o episódio de abertura de House of Cards). Se Fukunaga parece estar a trilhar um caminho que poderá levá-lo no futuro a empunhar outros troféus, já Quemada-Díez, um espanhol com nacionalidade mexicana, fez esta sua estreia na realização de uma longa de ficção aos 44 anos, depois de ter trabalhado em departamentos de câmara (maioritariamente como assistente e operador de câmara) em filmes como 21 Gramas (2003) de Alejandro G. Iñárritu, O Fiel Jardineiro (2005) de Fernando Meirelles ou Um Domingo Qualquer (1999) de Oliver Stone. Mas A Jaula de Ouro já conquistou o prémio de melhor elenco da secção Un Certain Regard no Festival de Cannes de 2013, entre outras distinções em festivais internacionais (venceu também um prémio de topo no Festival de Cinema de Zurique).
Mas se Sem Nome era um thriller sobre a emigração clandestina do México para os EUA, já A Jaula de Ouro explora o mesmo tema a partir de uma base ainda mais realista, sem contudo enveredar propriamente pelo efeito de tensão permanente. O filme centra-se em três adolescentes guatemaltecos, Juan (Brandon López), a sua namorada Sara (Karen Martínez) e Chauk (Rodolfo Domínguez), um rapaz da mesma proveniência mas de etnia indígena e que não fala espanhol. Dominados pelo sonho do eldorado americano, os três fazem-se ao caminho (que, neste caso, significa saltarem para dentro de um comboio que passe e fazer uma longa e dura viagem no tejadilho de uma carruagem, acompanhados de muitos outros que tentam a mesma sorte). No entanto, Sara vive uma dupla clandestinidade: além da sua condição de potencial emigrante ilegal, tem de se disfarçar de rapaz, adotando o nome Osvaldo, para tentar escapar aos muitos perigos que gangues e polícias corruptos representam no caminho em direção ao sonho americano (uma rota que, geograficamente, implica cruzar todo o território do México até à zona da fronteira). Durante a longa travessia, vão parando em várias aldeias e vilas, onde pernoitam e lhes dão algum trabalho para ganharem dinheiro – os habitantes das terras por onde passam parecem já habituados à rotina dos emigrantes, revelando-se amistosos e dando-lhes o apoio necessário.
Diego Quemada-Díez também foi assistente de câmara de Ken Loach em filmes como Terra e Liberdade (1995), A Canção de Carla (1996) e Bread and Roses (2000). Os ingredientes de um realismo social e político estão em A Jaula de Ouro (muitos destes imigrantes ilegais irão ser mal pagos e viver situações precárias, e nunca ultrapassarão a condição da servidão), mas o realizador concentra-se sobretudo na arriscada aventura que é conseguir passar a fronteira. Com um excelente trio de atores não profissionais e uma abordagem de semi-improvisação, A Jaula de Ouro aposta numa ética (e também numa estética) da autenticidade para retratar os caminhos aventurosos de três jovens desesperados por abandonar a Guatemala. Mas se a pobreza em que vivem é decerto uma “prisão”, o eldorado ilusório e enganador para onde vão, movidos por uma delirante esperança de libertação, não deixa também de ser uma prisão que, embora reluzente, está longe do sonho dourado americano que promete uma vida próspera a quem estiver disposto a trabalhar arduamente para singrar.
“A Jaula de Ouro”
Realizador: Diego Quemada-Díez
Elenco: Brandon López, Karen Martínez, Rodolfo Domínguez
Distribuidora: Legendmain Filmes
4 / 5

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