By:Larm – O grande baile dos debutantes (parte 4)
Texto: DANIEL BARRADAS, em Oslo
O último dia do Festival By:Larm foi marcado por alguns problemas técnicos, nomeadamente uma falha eléctrica nas três tendas principais durante quase uma hora, o que criou um pequeno caos. Os horários ficaram baralhados (embora tenham sido prontamente actualizados na App do festival) e alguns dos outros locais de concertos ficaram sobrecarregados com o público vindo da praça central. Foi algo inédito num festival que prima pela competência técnica e onde raramente há atrasos.
Okay Kaya (Estados Unidos) – Mono
Embora fosse ainda bastante cedo, a jovem Kaya, uma americana que viveu muitos anos em Oslo, abriu para uma pequena multidão de interessados e conhecidos no bar Mono. Num ambiente relaxado e familiar, Kaya subiu sozinha ao palco com a sua guitarra eléctrica e encantou toda a gente com as suas canções de folk urbana intimista. Num registo que ora nos lembra a leveza de uma Feist ora (atrevo-me a dizê-lo?) a gravidade de Joni Mitchel, Kaya é sem dúvida um talento em bruto. A sua voz é límpida e reveladora de uma alma muito mais antiga do que seria de esperar da adolescente que se desfaz em risos embaraçados entre cada canção. As suas canções são de uma extrema simplicidade que não deriva de ingenuidade poética ou pobreza melódica. A alma que Kaya lhes dá aponta para uma genuína estética de depuração.
Foi um excelente concerto e fica marcada como talento a seguir. Abram-lhe as portas que ela irá longe.
Anna of the north (Noruega) – John Dee
Esta banda de dois elementos mas com nome de solista era apontada pela imprensa como um dos concertos a não perder. De facto, fazem boa pop electrónica, muito atmosférica, algures entre Grimes e The XX, mas com personalidade própria. Ao vivo, embora competentes para os ouvidos, a sua presença em palco revelava a falta de experiência de quem só está habituado a tocar no quarto ou na garagem lá de casa. É em momentos como este que se percebe a importância do By:Larm que permite colocar estas bandas em contacto com outras mais experientes. Postos lado a lado com uma banda perfeitamente idêntica como os Sylvan Esso (vocalista + rapaz dos computadores) percebe-se como o à vontade em palco pode fazer a grande diferença num espectáculo.
Ida Jenshus (Noruega) – Igreja de St. Edmund
Se não sabiam, ficam a saber que a Noruega é berço de muita música country e o Spelleman pris (o grammy norueguês) tem mesmo uma categoria para esta música. Ida Jenshus ganhou-o em 2008 com o seu album de estreia, que surgiu depois de vencer um concurso de talentos em 2007. Desde então tornou-se numa das grandes vedetas norueguesas e pareceu-me que seria bom poder vê-la na pequena igreja de St. Edmund, sozinha com as suas quatro (caríssimas e imponentes) guitarras, em vésperas de começar uma tourné para promover o seu quarto álbum. Foi a oportunidade de ver como o profissionalismo pode descambar para o outro lado. Ida tocou quatro canções na meia-hora que lhe competia, esticando-as com paisagens evocadas em longos solos de guitarra. Tudo executado perfeitamente, mas deixando na boca um sabor a coisa demasiado ensaiada, incluindo os sorrisos com que regularmente saudava o público.
Sasha siem (Reino Unido) – Igreja de St. Edmund
Filha de mãe inglesa e pai norueguês, Sasha estudou música e poesia em Cambridge e Harvard tendo sido a pessoa mais jovem de sempre a ganhar o “British composer award” em 2010. Acabou de editar o seu album de estreia Most of the boys que me soou interessante e me fez querer vê-la. Em disco, o cruzamento entre a música contemporânea erudita e a canção pop aguenta-se mas infelizmente, ao vivo vai-se completamente abaixo. O pling plong instrumental parece um desperdício de bons músicos e Sasha tem uma presença em palco tanto ou mais irritante que o violino arranhado.
Fazendo um balanço desta edição de 2015, este ano notou-se um aumento no número de bandas de hip-hop em línguas locais (noruegueses, dinamarqueses e suecos) e apareceram também muitas bandas de punk totalmente femininas. Os islandeses desiludiram ao contrário do que é costume.
A organização melhorou e a mudança das datas do festival de Fevereiro para Março permitiu-lhes apresentar o elenco de bandas e horários com maior antecedência, numa app bastante melhorada, e permitiu ao público poder saltitar entre palcos sem ter gelo ou neve nas ruas. A abertura a bandas não-nórdicas foi bem sucedida e parece estratégia a continuar graças à boa curadoria.
Somando o que ouvi para preparar os meus horários com os concertos a que assisti, pareceu-me ano de fraca colheita em geral. Mas ficaram-me para o futuro os Sylvan Esso, de quem não perderei nenhum concerto a que possa assistir; Okay Kaya, que seguirei no soundcloud até que alguém lhe dê um merecido contrato discográfico; Apothek, que poderão ter um bom álbum de estreia e provavelmente um segundo ainda melhor.
E para quem estiver interessado, deixo uma playlist, com algumas das canções que marcaram o meu festival:
E aqui ficam os relatos dos dias anteriores…
Dia 3
À sexta-feira, o festival tem sempre grandes enchentes porque muita gente compra apenas bilhete para este dia. Apesar ser o meu quarto ano neste festival, cometo o erro fatal: chego com apenas cinco minutos de antecedência para o concerto de Thea Hjelmeland na pequena igreja de St. Edmund e já a lotação está esgotada com uma longa fila a estender-se pela rua. Frustrado e sem alternativas de interesse, resolvo investir uma hora em assegurar lugar na Sentrum scene.
Quando chego estão a tocar os Les Big Byrd. O público que aí se encontra, tal como eu, não veio para os ver mas para assegurar lugar para o concerto seguinte. O krautrock que tocam é tão “esquecível” que mesmo com a maquilhagem do vocalista e o baterista coberto de luzinhas de natal ninguém lhes presta grande atenção.
Aurora (Noruega) – Sentrum Scene
Se havia dúvidas, Aurora Aksnes é a prova de que o By:Larm pode ser o primeiro grande passo para uma carreira na música. Na edição do ano passado ela era uma apenas uma menina adolescente que ninguém conhecia com um concerto no bar mais distante do centro dos acontecimentos. Mas os dois principais jornais noruegueses desfizeram-se em elogios e elegeram o seu concerto como o melhor do festival (na minha opinião pessoal não foi, mas pronto… os curiosos encontram o video dessa actuação no YouTube). Foi o suficiente para pôr a bola de neve a rolar que ganhou ainda mais impulso com a sua contratação por uma grande editora. Depois de um ano de presença constante na rádio e televisão com dois singles, a fama entra-lhe pela porta sem bater quando há poucos dias atrás Katy Perry tweeta sobre ela: “Finalmente música nova que faz o meu coração bater. Ouçam este anjo de 17 anos!”. A grande sala do Sentrum Scene enche a abarrotar em pouco mais de 15 minutos. No fosso em frente ao palco, os fotógrafos acotovelam-se. Quando Aurora entra em palco vê-se o choque na sua cara. “Não sabia que nos iam dar uma sala tão grande” diz-nos, depois de cantar a primeira canção, com emoção, mas com todo o ar de quem está a sobreviver graças ao piloto automático que muitos ensaios permitem. A sua meia-hora deixa-me dividido. Por um lado, é óbvio o seu talento de cantora, por outro muitas das suas canções são de uma banalidade radifónica que só deixa traços na cultura popular por repetição interminável. Mas é absolutamente fascinante observar ao vivo o primeiro contacto de um artista com a fama. O público entra em histeria quando na última canção Aurora dança e salta em movimentos obviamente não coreografados apenas para dar vazão à sua emoção. Sob gigantesca ovação, despede-se com lágrimas nos olhos, sem perceber como é que isto lhe aconteceu. Então aqui temos uma boa cantora de 17 anos com a passadeira vermelha do mundo da música estendida a seus pés graças à fama que lhe calhou. Talento, como se vê por todo o lado neste festival, há muitos que têm. Fama é uma coisa que “acontece”. Aguardemos para ver o que Aurora faz com ela.
Samaris (Islandia) – Sentrum Scene
Mais pop de pacote islandesa, desta vez daquela que mistura paisagens electrónicas com raparigas suspirantes. Oportunidade para se escrever sobre lava e fadas mas sinceramente, não vale a pena. Bónus pela curiosidade de misturarem clarinete com programações electrónicas, mas quem viu por exemplo, há 3 anos, os Pelbo a usarem uma tuba de maneira muito mais criativa, não se deixa impressionar.
Chain Wallet (Noruega) – Revolver
A caminho de outro concerto, passo pela cave mais claustrofóbica do festival para ver esta banda de Bergen. Fazem um pop-rock solarengo ao jeito de bandas americanas como os Local Natives. Têm todo ar de uma amadora banda de liceu com vontade de entrar nos profissionais. Com tempo, talvez lá cheguem.
Soak (Irlanda) – Igreja de St. Edmund
Mais uma vez, embora chegue meia-hora antes do concerto, deparo-me com uma lotação esgotada e fila à porta. Decido ser presistente e esperar por uma oportunidade de entrar embora esteja um frio de rachar. Acabo por conseguir assistir às duas ultimas canções. Soak é o nome com que assina Bridie Monds-Watson, uma irlandesa de 18 anos que acaba de assinar para a Rough Trade e cujo primeiro álbum sairá em Junho. Faz uma folk simples, ao jeito de uma Tracy Chapman. Sozinha com a sua guitarra canta canções sentidas e intimistas e o cenário e a acústica da igreja jogam certamente a seu favor. O público ouve-a em absoluto silêncio mas explode em aplausos no final. Não vi o suficiente para fazer um julgamento em condições, mas deixa-me muito boa impressão.
Redder (Finlandia) – Igreja de St. Edmund
Depois de tanta luta para conseguir entrar dentro da igreja, decido ficar para estes finlandeses sobre os quais não sei absolutamente nada. São descritos no programa como trip-hop acústico. Não me soa a nada disso. Há um piano, um clarinete (de onde vieram de repente estes clarinetes todos?) e uma bateria. Depois de três canções que não são nem pop nem jazz, nem carne nem peixe, que não entusiasmam nem arreliam,estou aborrecido de morte. Vou para casa dormir que amanhã há mais e aposto que tão em cima da hora não consigo entrar na tenda minúscula onde puseram o Kleerup a tocar.
Dia 2
Ao segundo dia do festival foi anunciado o vencedor do Nordic Music Prize, atribuido ao melhor album nórdico. Depois de dois anos de domínio sueco (First Aid Kit e The Knife) o prémio vai pela primeira vez para a Finlândia, tendo o júri distinguido o álbum When the cellar children see the light of day de Mirel Wagner. Entre os nomeados encontravam-se outros fortes candidatos como o norueguês Todd Terje e as suecas Neneh Cherry e Lykke Li.
Ingeborg Oktober (Noruega) – Bar Mono
Apesar de entrarem directamente em palco vindos de uma viagem de 18 horas em comboio do norte da Noruega, Ingeborg e a sua banda chegam sorridentes. Com um ar de freira em licença do convento, Ingeborg encanta o público com o seu tímido charme. Ela é uma típica cantautora norueguesa, com o seu sotaque nortenho a dar um sabor muito local às histórias simples que entoa numa voz frágil mas decidida. Não é certamente um projecto artístico para sair das fronteiras norueguesas porque as canções assentam na força intimista dos ingénuos poemas, mas julgando pela quantidade de pessoas que consegue atrair na primeira meia-hora do festival tem futuro no seu país.
Apothek (Noruega) – Sentrum Scene
Que diferença um dia faz. 24 horinhas… Valeu bem a pena dar uma segunda oportunidade aos Apothek e voltar a vê-los. A grande sala da Sentrum Scene parece quase vazia com pouco mais de 50 pessoas que decidem sentar-se no chão, mas quando as luzes se apagam fica com um ar de catedral e os Apothek, com a ajuda do silêncio que se faz e a qualidade do equipamento sonoro conseguem dar um grande concerto. Uma ligeira alteração na ordem das canções também ajuda a criar uma sequência muito mais envolvente. Ao fim de meia hora confirma-se que a banda tem suficiente indentidade própria e potencial para crescer. Definitivamente um projecto a seguir, mesmo para lá do primeiro álbum que estão prestes a lançar.
Gidge (Noruega) – tenda Red Bull music academy
O álbum de electrónica atmosférica Autumn bells dos Gidge foi um dos meus discos noruegueses preferidos do ano passado. Já temia que ao vivo, e numa tenda como esta, o resultado não seria famoso e o receio confirmou-se. Embora haja bandas de musica electrónica (como os Kraftwerk) que, mesmo mantendo todo o ar de quem está a pagar a conta da luz, conseguem dar bons concertos, não é tarefa fácil fazê-lo. Os dois membros dos Gidge dão talvez a impressão de que estão a ler o Facebook nos seus portáteis. Entretanto, o público faz o mesmo mas ao telefone. No entanto, a música mantém o seu carácter envolvente e é até bastante dançável. Noutras circunstâncias e cenário, pode certamente resultar ao vivo, mas francamente, não faz grande diferença ter o disco a tocar em alto som.
Hawkon (Noruega) – tenda P3
Os anos 80 estão vivos! Para quê, não se sabe, mas estão. Os três membros dos Hawkon parecem ter vindo directamente da fábrica de sucessos Stock, Aitken & Waterman. Apesar de abrirem com uma canção que os Matt Bianco não desdenhariam, ao fim de dez minutos estou pronto para ver outra coisa qualquer.
Maribel (Noruega) – Hoffmann Kulturstube
Os Maribel fazem um shoegazing de tons escuros e o seu álbum Reveries de 2012 tinha alguns bons momentos. Neste festival apresentaram algum material novo mas não parece adiantar muito ao que já se conhecia. A cave da Kulturstube também não os ajuda: um palco ao nível do público e a sala completamente cheia, a forçar parte do público a encostar-se às colunas de som. Quando uma banda depende de guitarras distorcidas em ecos infinitos, assim não há condições para os apreciar devidamente.
Fura (Islândia) – Internasjonalen
O que dizer desta banda? Não são maus mas também não são bons. Fazem uma pop muito islandesa, vagamente influenciada por Emiliana Torrini e com uns inevitáveis toques de Björk aqui e ali. A única coisa que vale a pena notar é o penteado do guitarrista (muito longo à frente e muito longo atrás) que o sabe usar para o máximo efeito de head banging. Na mesma nota, o Internasjonalen nesta quinta-feira tinha sido transformado no ghetto islandês e é importante relatar que os hipsters islandeses cortaram as longas barbas. Espera-se impacto mundial no próximo ano.
Billie Roxanne (Suécia) – Gamla
Billie Roxanne assinou contrato recentemente com a editora Bella Union e só isso foi o suficiente para me levar à decadente sala do Gamla. O facto de nenhuma música dela estar disponível na internet deve ter contribuído para que apenas eu e meia dúzia de gatos pingados se ter dado ao trabalho de a ir ver. Ela faz uma folk semi-gótica que lembra ocasionalmente as Coco Rosie. A banda que a acompanhava é competente mas estavam todos algo apáticos e desinspirados e não os censuro. A música tem interesse, mas esperemos pelo disco para tirar conclusões.
Sylvan Esso (Estados Unidos) – Rockefeller
Para terminar a noite, nada como jogar pelo seguro e repetir uma coisa boa. O concerto do dia anterior tinha sido muito bom mas os Sylvan Esso conseguiram superar-se na sala do Rockefeller. Caras reconhecíveis entre o público provavam que eu não era o único a querer mais do mesmo. Com um alinhamento ligeiramente diferente, a banda conseguiu pôr toda a gente a dançar desde o início, mesmo quem nunca os tinha ouvido. A energia em palco dos dois membros é contagiante. A música é uma electro-pop bem musculada, a lembrar ocasionalmente os Lamb nos seus bons velhos tempos mas com uma identidade muito própria. Nem precisam apontar o nome porque vão certamente ouvir falar mais deles.
Dia 1:
O Festival By:Larm é um acontecimento do mundo da música não erudita que acontece anualmente no fim do inverno em Oslo. Embora o público laico tenha mais do que suficiente com que se entreter com as mais de 100 bandas que preenchem as quatro noites de concertos, há uma faceta diurna do evento que passa por uma série de conferências e workshops dirigidos aos próprios artistas, mas também a todas as profissões relacionadas com o negócio da música, passando por produtores, editoras, promotores e jornalistas.
O festival foi criado originalmente como montra de novas bandas norueguesas, numa tentativa de dinamizar a establização e viabilidade comercial dessas bandas, ao pô-las em contacto com um público feito principalmente de representantes de editoras e promotores de concertos.
Embora mantenha ainda esse formato showcase (cada concerto dura apenas 30 minutos) o festival tem crescido em tamanho e ambição. Começou por se expandir ao tornar-se um evento nórdico, juntando às bandas nacionais, artistas oriundos da Suécia, Dinamarca, Finlândia e Islândia. Mas ao mesmo tempo que as conferências se direcionavam a explicar aos artistas os meios e as maneiras de conseguir atingir os mercados internacionais (há, por exemplo, todos os anos uma palestra intitulada “como ser bem sucedido no mercado alemão”), o inevitável acabou por acontecer e o By:Larm a partir de 2015 torna-se um festival aberto a músicos de qualquer ponto do globo. Algumas bandas de Espanha, do Reino Unido e Estados Unidos foram convidadas, mas será curioso acompanhar o que acontece nesta ambição do By:Larm em tornar-se o South by Southwest da Europa.
Tenho estado presente no festival desde 2012 e tem sido sempre um grande prazer descobrir bandas prestes a sair do casulo. Foi aqui que vi e ouvi pela primeira vez artistas que são agora parte do elenco fixo dos meus favoritos: Scarlet chives e Linnea Olsen em 2012, Anne von Hausswolff e Rangleklods em 2013, Kill-j, Disa e Linkoban em 2014.
Ao mesmo tempo, o festival convida frequentemente artistas mais estabelecidos para alguns concertos especiais, muitas vezes em conjugação com o Nordic Music Prize (prémio para o melhor álbum de países nórdicos) que é atribuído durante o festival. Tive aqui a oportunidade de ouvir Neneh Cherry apresentar o seu Blank Project mais de um ano antes de ser lançado em disco, ou de atestar que os Gus Gus estavam mesmo de boa saúde logo após o lançamento de Arabian Horse.
Mas o que acaba por tornar o festival um verdadeiro acontecimento é o clima de euforia que se vive por todo o centro da cidade. O espírito ecléctico faz convergir todas as tribos, do metal ao hip-hop, da folk à pop amiga da rádio. Cruzam-se no verdadeiro rally-paper que é a misturada de horários e locais de concertos, todos a uma aceitável distancia a pé uns dos outros. Os locais dos eventos são bastante distintos e variados, desde clautrofóbicas caves de bares a algumas das principais salas da capital norueguesa como a Sentrum Scene.
As tendas montadas na praça Youngstorget tendem a ser os piores palcos para ver as bandas, não pela qualidade das instalações, mas pelo público que para aí é atraído. É aqui o centro geográfico e nevrálgico do festival e a quantidade de público que vem socializar, mais do que ver os concertos acaba por oscilar entre estas três tendas e a roulottes de tacos e cachorros quentes. Ouvir um concerto aqui implica aturar quem prefira estar a beber cervejas e a falar com os amigos, mesmo quando está estacionado à frente do palco. É também natural que aqui sejam programados os artistas mais populares, por isso, não é normalmente o sítio onde se descobrem novas pérolas.
Chega então a edição de 2015 e, depois de meses de investigação auditiva a cada uma das bandas, acabo com uma shortlist de cerca de 20 nomes. Fazer o horário é sempre uma dor, porque ninguém tem o dom da ubiquidade. No final acabo também por ver bandas que nunca pensei ver, apenas porque estou de passagem, ou tenho tempo para matar entre concertos que me interessam. Mas esse é precisamente o fascínio do By:Larm, a disponibilidade para ser surpreendido por algo novo.
Eis então o relato do meu primeiro dia, outros se seguirão:
Dia 1
O primeiro dia, quarta-feira é sempre a meio-gás. Há apenas uma mão cheia de bandas a tocar, alternando entre as duas tendas (este ano, três) que ocupam a praça Youngstorget. O público também é pouco, geralmente composto pelos delegados acabados de chegar à cidade e curiosos que compraram o passe para o festival completo (bastante caro, cerca de 100 euros). Quinta-feira é o dia do público excitado e sorridente, há um espirito de alegria verdadeiramente contagiante. As grandes enchentes de público acontecem geralmente à sexta-feira, por motivos óbvios. No último dia, mesmo sendo Sábado, há uma sensação de ressaca, fazer de malas e despedida relutante.
Apothek (Noruega) – tenda Tidal
A banda entra em palco nervosa e atrasada (2 minutos, o que para o By:larm é uma eternidade). Ficamos depois a saber que um dos teclistas sofreu um desaire informático e teve de ir a correr a casa buscar outro computador num tempo recorde de dez minutos. Vantagens de ser banda a jogar em casa. Embora tenham um som de qualidade irrepreensível e alguém a fazer-lhes bem as luzes, a banda não causa grande impressão ao vivo. Fazem uma espécie de emo-electrónica, intimista, segura e interessante mas a atitude “eu hoje nem queria sair de casa” do vocalista não ajuda na primeira impressão. Terminam o set com o single de estreia (e único lançamento até ao momento) Family, que, sendo o que me atraiu para os vir ver, prova ser mesmo uma excelente canção ao vivo, verdadeiramente poderosa e emocionante independentemente da prestação tépida de quem está em palco. Decido dar-lhes o benefício da dúvida e voltar a vê-los no dia seguinte, noutras condições.
Olefonken (Noruega) – tenda Red Bull music academy
Vejo esta banda no intervalo entre outras. Entro na tenda a abarrotar de gente, não consigo ver o palco mas não percebo porque é que o concerto não começou ainda. Toda a gente está a beber cervejas e a conversar. Uns cinco minutos depois noto que afinal a banda está em palco e aquela música de lounge de hotel não era compasso de espera, mas era mesmo o tipo de música que a banda toca. Sabem quando vão num voo da TAP e depois de todos os desenhos animados, apanhados e desfiles da Moda Lisboa eles finalmente se rendem ao facto de não terem nada de jeito para mostrar e põem a reportagem do campeonato de golfe da empresa? Esta banda faz a banda sonora ideal para a coisa.
Karin Park (Suécia) – tenda Tidal
Uma das veteranas convidadas, Karin Park é um daqueles animais de palco que nasceram para fazer espectáculo. Com o seu ar de dominatrix frígida, uma camisa de cabedal vermelho que gostaria de se poder chamar vestido, e pernas intermináveis alongadas por saltos de 20 cm, ninguém consegue tirar-lhe os olhos de cima. A música oscila entre a power pop dos anos 80 e a power ballad eurovisiva dos anos 90. Pelo caminho, pisca o olho aos Fever Ray, o que lhe dá uma certa legitimidade indie. No entanto, ela é verdadeiramente sueca e por muito que queira ser “alternativa”, sabemos que cresceu a ouvir Roxette e Ace of Base. Se tivesse nascido nos anos 80, dominaria o mundo.
Cleo & Broke ’n Tipsy (Suécia) – tenda Red Bull music academy
Sou convencido a ver hip-hop sueco pelo amigo que me acompanha ao festival. Não percebo grande coisa de rap nem de sueco. Entre esta tribo, sou peixe fora de água. Sou um turista com interesse meramente antropológico. Diz que Cleo é uma famosa e premiada rapper no seu país. Tem obviamente o sotaque de alguém dos suburbios escandinavos (há uma dureza nas inflexões que está ausente nos nativos) mas o Sueco dela é obviamente demasiado street para eu perceber alguma coisa. Vocifera rimas duras e o público responde. As batidas são violentas mas há mensagens feministas algures por ali. O publico salta e acena em alguns momentos. Eu fico indiferente porque há todo um código social que eu obviamente não sei decifrar.
Sylvan Esso (Estados Unidos) – tenda Tidal
Em menos de um minuto, amor à primeira vista. Como se sabe que estamos na presença de uma grande banda? Há toda uma lista de indícios mas é daquelas precepções que em tempo real é imediata. Decidi vê-los devido ao seu single Coffee, que embora seja simpático não é especialmente notável. (Mas ouçam-nos na sua “Spotify session” para verificar como são mais emocionais e emocionantes ao vivo.) A escuridão é quase total, ferida apenas por alguns feixes de luz. E no entanto está o público todo hipnotizado pelo que se passa no palco. A vocalista vestida de negro contorce-se como uma enguia do cimo de uns sapatões de plataforma. O “programador(?)” mexe nuns botões numa mesa de parafernália electrónica como se estivesse a fazer sexo. São dois músicos em absoluta simbiose e verdadeiramente a “curtir” o que fazem. Os hipsters noruegueses não resistem e abanam ritmados como juncos ao vento. Temos (grande) banda!
Alo Wala (Dinamarca) – tenda Red Bull music academy
Uma “menina” de voz anasalada a misturar hip-hop com world music. Não seria “a minha coisa” mas a verdade é que os ritmos sul-americanos misturados com melodias bollywood não deixam ninguém indiferente. Não é especialmente brilhante musicalmente, mas a energia é contagiante. O concerto transforma-se numa festa e até eu danço. Ainda há mais concertos, mas para primeiro dia sinto-me de barriga cheia.

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