Tão perto e, afinal, tão distante…
Texto: NUNO GALOPIM
A ideia é simples: acompanhar uma coreografia desde o primeiro ensaio até à sua estreia mundial. Pena que, ao acompanhar o protagonista Justin Peck, um jovem coreógrafo que integra também o New York City Ballett, e Paz de La Jolla, que desenvolve à nossa frente até à noite de estreia em pleno Lincoln Center, o filme Ballet 422 não mostre mais senão isso mesmo, na verdade parecendo mais um making of, ou seja, a sobremesa, que o prato principal como seria suposto esperar.
E tinha tudo para ir mais além. Justin Peck, de apenas 25 anos, é um promissor coreógrafo que vemos a trabalhar com os colegas a sua criação que assina pelo seu nome. Colegas… A palavra tem um peso adicional porque, fora desta sua coreografia, Justin é também ele um bailarino. Não daqueles que chamam a si papéis principais, mas um entre os muitos que quase anonimamente se diluem no corpo coletivo que dança num palco. E só neste contraponto poderia ter nascido um filme. Mas não foi por aí que a história avançou (apesar de a referir).
Um líder entre iguais, coordena os ensaios e dirige a progressiva criação dos gestos e das relações dos corpos com o espaço e a música (de Matinú) com uma candura que não é de ditador distante. Ouve e integra as palavras, as observações, as sugestões. O filme podia ter ido por aí, mas a realização prefere manter-se, cronologicamente certinha, atenta à contagem decrescente até à estreia.
Justin Peck tem uma vida antes e depois das horas de serviço. Vemo-lo até a regressar a casa uma noite, e acompanhamo-lo no computador, na sua sala, a rever imagens dos ensaios. Podíamos ter ficado a saber quem é, o que fez antes, o que pensa. Mas não, o filme regressa ao ensaio do dia seguinte sem perder uma noite de sono.
Ao lado de Justin Peck, entre o pianista que acompanha os ensaios, os bailarinos e a demais equipa que vai montando o espetáculo, haveria histórias a contar? Talvez, mas não damos por elas. A câmara toma cada um apenas como executante da sua função. E, com uma superficialidade que não olha senão para o óbvio, na verdade passa ao lado de tudo e todos. Repara talvez como o maestro, fogoso na direção da orquestra, não parece ter gostado muito de ver o coreógrafo a dirigir-se aos músicos, metendo o pé na sua seara… Mas é coisa rápida, e logo vamos para o camarim vestir o fatinho de gala.
Somos poupados à small talk de ocasião no foyer antes da estreia. Entramos depois na sala, vemos o tom ansioso como, perdido entre a plateia, o coreógrafo olha o que acontece. E palmas e vénias. E, depois das suas luzes, Justin muda de roupa porque tem de dançar, sem o mesmo protagonismo, na terceira coreografia da noite… Mas nem aqui o filme acorda, e dá a missão por cumprida.
Com uma realização limpa, planos sem pretensão de ser um portfolio fotográfico e uma câmara que tenta ser invisível na sala de ensaios, Ballet 422 tinha em mãos ingredientes suficientes para fazer um belíssimo documentário nos bastidores de uma grande companhia de dança. Mas, como aqueles funcionários muito arrumadinhos, que têm a secretária imaculada mas não brilham na hora de encontrar novas soluções ou ter ideias, o filme é uma arrumação impecavelmente cronológica do era uma vez em contagem decrescente. Mas mesmo estando perto deixa-nos longe, muito longe. E no fim nem sequer o 442º ballet do New York City Ballet (daí o título) conseguimos acompanhar decentemente, quando tudo o que vimos foi apenas uma rotina de ensaios, pontuais reuniões entre outros elementos da equipa e pouco mais que pelos menos nos abriu o apetite para ver o trabalho final. Os amantes da dança aproveitarão talvez para saborear alguns destes momentos perante a dieta da oferta que se vive por estes lados. Mas o filme é uma oportunidade perdida. Sem ponto de vista. E com o cinema a passar bem longe dali…
“Ballet 422”
Realização: Jody Lee Pipes
Distribuição: Lanterna de Pedra

Deixe um comentário