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A vulnerabilidade e a cura segundo Björk

Texto: ANDRÉ LOPES

Na sequência de dois discos assentes respetivamente na dinâmica tribal da existência humana e na forma como a natureza se interliga com o domínio tecnológico, Björk encontra na introspeção o mote para ‘Vulnicura’. Depois de uma vida digital, o álbum tem agora lançamento em suportes físicos, em vinil e CD.

Em 2001 Vespertine eclodia no advento da relação de Björk com Matthew Barney e celebrava meticulosamente a vida íntima e doméstica do novo casal. Foi um dos raros momentos em que a privacidade dos dois artistas pode ser vislumbrada – ainda que subvertida em forma de álbum. Vulnicura expressa agora o fim da união, documentando assim as causas e as consequências do final de um relacionamento.

Momento obviamente biográfico e que não procura a compaixão de quem ouve, este é um disco que revela o íntimo dos intervenientes na sua narrativa de forma tão emotiva quando honesta. As faixas de Vulnicura são apresentadas com a indicação cronológica, relacionando-as com o momento em que a relação com Matthew terminou. Assim sendo, Stonemilker, Lionsong e History of Touches inauguram o alinhamento revelando palavras que, sem rodeios, explicitam o receio tanto da possibilidade de um casamento estar à beira do fim como a percepção clara de que essa é a realidade.

Ao carácter funesto das letras de Vulnicura, Björk juntou arranjos de cordas assinados por si, que recordam episódios anteriores do seu repertório. Jóga ou Unison podem ecoar na memória. Mas os arranjos presentes neste álbum distinguem-se pelo modo cru como se impõem. Muitas vezes são o único acompanhamento da voz. Quando assim não é, a percussão digital e as baixas frequências criadas em pareceria com Arca e Haxan Cloak asseguram ambientes que, embora focados numa arquitetura rítmica, nunca permitem um afastamento da tristeza das palavras.

A despreocupação com o formato de “canção pop” mantém-se vincada na escrita de Björk, algo que aqui se reflete em faixas longas, por vezes amorfas, mas que por uma questão de congruência temática, dificilmente conseguimos imaginar a terem lugar de outra forma.

A segunda metade de Vulnicura mostra um lento processo de recuperação, evidenciando uma figura que, tal como é mostrado na capa do álbum, pretende agora olhar em redor e redescobrir as suas possibilidades, pós-rutura. Björk reencontra o conforto na voz de Antony Hegarty durante Atom Dance, e é também aqui permitindo a Arca que os seus maneirismos rítmicos se façam ouvir mais proeminentemente. O disco encerra de forma bastante agitada e quase luminosa ao antever um futuro diferente. Após a vivência de um árduo processo de luto (e recuperação), Björk insiste numa premissa que ao não ceder ao derrotismo, reapropria a sua recente condição – não de vítima, mas de sobrevivente.

Björk
“Vulnicura”
Universal Music / One Little Indian
5 / 5

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