A Pop chega ao Museu, mas veio para ficar?
Texto: JOHN GONÇALVES
Nos últimos tempos temos visto vários artistas pop a chegar a vários museus e ocupar esses espaços com a sua arte ou com alguma criação em paralelo que prolonga esteticamente a sua arte principal.
Tim Burton chegou ao MoMA em 2009 com os seus desenhos, com a sua arte conceptual, com pequenos vídeos, com fotografias e com algumas curiosidades que ajudam a decifrar o seu próprio universo artístico e a explicar melhor a sua estética no cinema.
Marina Abramovic levou os vídeos das suas performances, as suas peças com som, instalações, fotografias e até mesmo a sua própria presença ao MoMA em 2010.
David Bowie chegou ao Victoria & Albert Museum em Londres, ou ao Museu de Imagem e Som de São Paulo no ano passado, com uma exposição onde se mostra a fundo tudo o que são as roupas, os instrumentos, as fotos e os videoclips que ajudaram a colocar o nosso camaleão na primeira divisão artística do mundo em que vivemos.
Bjork chegou há poucos dias ao MoMA com alguns dos seus apontamentos ou adereços visuais que ajudaram a criar a sua própria estética nos vídeos, nas performances, nas fotos.
Em qualquer um destes casos o que importa é uma visão global da arte, como comunicam e fazem interagir a sua música, os seus filmes, o seu corpo, com outras artes. Porque os verdadeiros artistas não são apenas e só músicos, fotógrafos, realizadores, coreógrafos ou performers. Muitas vezes vão mais além…
Não sei se, por exemplo, Wes Anderson ou David Lynch algum dia chegarão a algum museu em retrospectivas deste género, mas a sua arte passa muito a esfera única do cinema, como a de Bob Wilson passa os limites do teatro, como a de Bjork, Madonna, Peter Gabriel, David Byrne ou Brian Eno vão muito além da esfera musical.
Há uma multidisciplinariedade artística que faz sentido e que deve ser reforçada pelos verdadeiros artistas, não com o objectivo primordial de chegar aos museus, mas para ajudar a entender melhor a linguagem de cada um.
E tudo isto vem a propósito dessa (des)valorização dos prolongamentos estéticos dalgumas artes, nomeadamente da música.
Há bem pouco tempo, um artista independente, ou menos independente, compunha um disco. Depois pensava nas fotos de promoção desse novo disco. Pensava nas roupas que utiliza nessas sessões de fotos, nos videoclips ou no palco. Pensava na capa e no conceito artístico por detrás do design desse mesmo disco. Pensava nos vídeos, no set design e no conceito para a tour. Que ideais artísticos ia passar na comunicação da sua obra, entre muitas outras ideias.
Nunca vi nenhum destes items como sendo marketing, apesar de poderem ser assim considerados. Quando é o artista quem controla cada um destes assuntos, isso significa que é alguém minimamente preocupado com estes prolongamentos estéticos. E nunca poderão ser considerados como marketing. Se deixa na mão de publicitários todos estes assuntos, pode obviamente criar confusão nos media e no seu público.
Tudo isto para perguntar onde está a preocupação artística dos novos músicos, nos prolongamentos estéticos da sua música?
Alguém ainda se preocupa com os videoclips e com o conceito artístico dessas imagens, com as roupas, as fotos, o design dos elementos gráficos que acompanham a imagem do disco, o set design, iluminação ou vídeos para os seus concertos ao vivo? Sim, alguns preocupam-se mas muito menos do que há 20 anos.
Cada vez mais sinto que o cool é parecer “despreocupado” com todos estes itenms que são em si mesmo pura arte. Enquanto há uns anos o mesmo cool & artsy era ser exactamente mais “artístico” que os outros e não apenas na sua música.
Aliás houve vários fotógrafos que se criaram artisticamente ao registar a imagem de bandas; muitos estilistas e directores de styling que cresceram mediaticamente tendo como base o universo da música e, obviamente, houve realizadores que se criaram artisticamente fazendo videoclips para bandas, tornando-se depois até estrelas nesta área como Michel Gondry, Chris Cunningham ou Spike Jonze (que até lançaram DVDs apenas com esse trabalho na área da música num total de 50 videoclips para mais de 30 artistas diferentes).
Até entendo que as bandas novas que não tenham dinheiro para fazer videoclips, ou para pensar no grafismo do seu design ou no styling das suas roupas, que não têm tempo para pensar em nada mais que não seja tocar em qualquer palco que tenha ou apresente alguma visibilidade pública.
No ano passado FKA Twiggs deu um bom exemplo dessas ideias que se querem ver prolongadas esteticamente em várias áreas. St Vincent vem fazendo o mesmo há vários anos. Os próprios Arcade Fire ou The Flaming Lips, num espectro mais popular, têm tentando fazer algo mais para além da sua musica. E até artistas com menos visibilidade têm essa preocupação. Mas então o que fará os Blur lançarem um disco ao fim de 12 anos e anunciarem duas canções com dois videoclips de apresentação perfeitamente desligados de qualquer preocupação estética ou artística (pelo menos na minha opinião)?
Será que os Blur querem mesmo fazer algo demasiado artsy visualmente, posicionando-se perto dos novos indies para contrastar com a boa musica pop que ainda fazem? Os Radiohead fizeram-no com bons resultados e poderá ser esse o caminho, mas não o entendo.
Adoro o novo tema dos Blur: There are too many of us. E não o consigo ver/ouvir junto com o videoclip porque tudo ali é nonsense demais para mim. Não são contudo apenas os Blur a optarem por descredibilizar todo e qualquer “prolongamento estético da sua música”. Vários artistas novos e não tão novos estão a fazê-lo também.
Será que a nova ditadura do feed das publicações online obriga as bandas a fazerem audio videos – como o novíssimo Lonesome Street também dos Blur -, lyric videos ou videoclips sem nenhum senso só para poderem estar nas páginas online e nos shares das redes sociais?
Será que esta nova ditadura indie confunde qualquer tentativa de ser evoluído artisticamente e elegante nas outras formas de promover a sua música com puro marketing?
Se assim é, os artistas estão a cometer erros graves na sua gestão de carreira pois não terá sido o marketing que levou a arte de Björk ou David Bowie aos museus, mas sim o reconhecimento duma linguagem estética evoluída e coerente em todas as sua vertentes, para alem da música.
É óbvio que nem todos os videoclips, as capas de novos discos, as roupas que os artistas usam, as fotografias ou o conceito do espectáculo que produzem têm de ser instalações visuais preparadas para chegar às paredes de qualquer museu. Mas quero acreditar que as novas gerações ainda têm essa preocupação estética no momento de colocar a sua música disponível para o grande público. E felizmente ainda temos bons exemplos com criatividade, coerência e vanguardismo artístico tão diferente da maioria dos dias que correm.
Ver todos os videoclips de Bjork juntos numa tela de cinema nas paredes do MoMA fez-me aplaudir de novo a coerência estética da sua obra, mesmo que a exposição deixe muito a desejar. Mas isso é culpa do comissariado e não da arte da própria artista ou de todos os colaboradores que com ela trabalharam ao longo de mais de 20 anos.
Culpa de Björk (assim acredito) é colocar os seus concertos no Carnegie Hall ao meio dia… Mas talvez o futuro dos espectáculos musicais em salas importantes seja o horário matinal, apesar de eu não entender muito bem o conceito. Já todos conhecemos as matinées, mas ir ver concertos no horário de brunch ainda me causa alguma confusão, confesso. Björk acha chique. São coisas de artista…

Parabéns pelo artigo. Achei fantástico e partilho da opinião. 😉
DP
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