Procurem abrigo
Texto: DIOGO SENO
Foi um dos filmes sensação do festival de Cannes do ano passado e, em Fevereiro, recebeu o César para Melhor Primeiro Filme. A estreia de Thomas Cailley fala sobre o primeiro amor e a juventude, fazendo parte de uma nobre linhagem do cinema francês.
Aqui encontramos um amor adolescente estival, enquanto ritual de iniciação aos perigos do mundo. Situado numa vila francesa, onde pouco se passa, os dias das personagens são ocupados pelas suas deambulações e trabalhos. Thomas Cailley constrói o habitat com pormenor, preenche o quotidiano destas figuras com o banal, mas acrescenta algumas notas de absurdo logo desde o início. E aqui começa a sua originalidade.
Os protagonistas do romance, Arnaud e Madeleine, interpretados pelos talentosos Adèle Haenel e Kevin Azais, não podiam ser mais diferentes e únicos. O desenvolvimento da sua relação, apesar de caracterizada pelo confronto típico das comédias românticas, não segue os caminhos óbvios. Todas as personagens ganham vida, as cenas implodem com incidentes inesperados, o humor é perfeitamente cronometrado, a construção visual rica: da fisicalidade daquela vila perto do mar, à luz dourada das tardes de verão, passando pelo colorido da discoteca.
Arnaud e Madeleine conhecem-se numa prova para um estágio num campo militar: ele, que se encontra a perder a luta, morde-a e consegue assim libertar-se. E é assim, neste confronto físico, que começa a sua relação. A falta de rumo dele choca com a motivação dela. Ele não sabe o que fazer do seu futuro, ela acredita que não há futuro, e por isso a sua única preocupação é preparar-se para o fim-do-mundo.
Cailley situa a relação destas personagens numa realidade próxima da nossa. As suas preocupações têm ecos nas nossas. Arnaud e os seus amigos preocupam-se com o desemprego e pensam em emigrar ou em ajudar os negócios de família, Madeleine pensa que o fim-do-mundo virá mais cedo do que esperamos por causa da destruição do ambiente, da escassez de recursos, das epidemias.
Os dois acabam por ser admitidos no estágio militar e vão assim para o campo. O descontentamento e teimosia dela levam-nos a sair do estágio para uma aventura na floresta. O filme entrega-se ainda mais aos corpos, às sensações e aos elementos.
O que se construía até aqui com candura e sinceridade era um retrato da solidão destes dois jovens, perdidos num mundo que não compreendem. Esta parte do filme liberta-os dos constrangimentos da comunidade e leva-os para um estado mais “natural”, mais primitivo, em cenas que fazem lembrar a sensualidade e estranheza de Tropical Malady, de Apichatpong Weerasethakul.
O filme arrisca perder tudo o que construiu de especial e único até aqui num final imprevisível, que sublinha fortemente a metáfora central e que diz tudo da energia e singularidade da sua proposta: dar corpo aos medos das personagens, envolvê-las no onírico, para depois as devolver à realidade, mais fortes. Proposta ganha, e nós, encantados, por saber que o cinema ainda pode ser assim, como uma primeira vez.
“Os Combatentes”
Realização: Thomas Cailley
Com : Adèle Haenel, Kevin Azais

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