Últimas notícias

Alice Rohrwacher: “Este filme não é fantástico nem realista, é orgânico”

Texto: EURICO DE BARROS

A segunda longa-metragem da realizadora italiana Alice Rohrwacher, O País da Maravilhas, ganhou o Grande Prémio do Júri do Festival de Cannes, e abriu ontem a edição número da 8ª edição da 8 ½ – Festa do Cinema Italiano, chegando hoje às salas.

Rodada em registo de realismo poético, a fita conta a história de uma família de apicultores italianos e da filha mais velha do casal, Gelsomina, que está a entrar na adolescência e a aperceber-se melhor do funcionamento do seu núcleo familiar, e do mundo à sua volta. Falámos com a realizadora pelo telefone

Disse nalgumas entrevistas que deu no Festival de Cannes, onde O País das Maravilhas recebeu o Grande Prémio do Júri, que o filme tinha elementos autobiográficos. Onde é que eles se manifestam?
Eu diria antes que é um filme muito pessoal. Ou melhor, será antes uma autobiografia imaginária, por estar ambientando num mundo onde existem muitas referências ao meu mundo, como é o caso das abelhas, do campo, da família com pais estrangeiros. Todas estas coisas fazem parte da minha vida, e as personagens são-me familiares. Mas não é autobiográfico, no sentido de que aquilo que sucede no filme me tenha acontecido.

O filme gira em redor da figura de Gelsomina, a filha mais velha. Esta é, também, uma história sobre a entrada na adolescência?
A Gelsomina tenta escapar da família, mas ao tentar ganhar distância dela, descobre que a ama. Mais do que sobre a entrada na adolescência, é uma história sobre o que significa crescer. Até mesmo algo maior do que isso, porque há um pouco de conto de fadas na história desta família. Todas as personagens deste filme vêm de um mundo de antes da psicologia, todas as suas acções decorrem da vida, são como figuras primordiais. Mas são todas personagens positivas, que se comportam bem. O pai, por exemplo, está prejudicado pela linguagem, exprime-se mal em todas as línguas, fala mal francês, alemão e italiano, e por isso pode parecer violento, mas trata-se de uma violência controlada, ele não é mau. É um homem bom e justo.

Diria que o filme tem um lado fantástico, acentuado pela presença da televisão?
Eu diria que não é nem fantástico, nem realista. É um filme orgânico. (Risos)

As abelhas, omnipresentes neste filme, têm também um peso simbólico? Ou são apenas isso, abelhas?
Para mim, um símbolo não é uma coisa que vem de cima para baixo, mas sim o inverso. Eu incluí as abelhas na história simplesmente porque são animais que conheço bem. Mas enquanto escrevíamos o argumento percebemos que as abelhas eram também um símbolo, mas que vinha de baixo, não era intelectualizado: as abelhas são animais livres, não se podem encerrar em espaços fechados, é nesse sentido que elas aqui estão também.

Sempre que aparece no cinema italiano, a televisão costuma ter uma carga muito negativa, mas isso não sucede aqui.
Neste filme, a televisão é como uma presença extraterrestre. É assim que a Gelsomina a sente. É um elemento misterioso, é como a fada do Pinóquio, um elemento fantástico. O percurso de Gelsomina não é perceber que aquelas pessoas são más, é perceber que são pessoas como ela, como a família dela e os vizinhos.

Como é que foi a experiência de dirigir a sua irmã Alba, que interpreta a mãe? Disse numa entrevista que foi como estar a trabalhar em casa, de pijama.
(Risos). A minha irmã é uma actriz de que gosto muito. E ainda por cima, é minha irmã. E é a pessoa com quem mais brinquei na minha vida. Por isso, o nosso trabalho aqui foi muito como estarmos a brincar. Em inglês, “to play” significa representar, mas também brincar, o que remete muito para a origem do nosso trabalho em O País das Maravilhas.

As crianças do filme são todas amadoras? Como é que as escolheu?
Fizemos castings em escolas. Nenhuma delas tem experiência de representação, são todas estreantes. Foi difícil trabalhar com elas, na medida em que foi aventuroso e feliz. E foi também muito bonito. Eu não me assusto com as coisas difíceis, porque são também aventurosas e divertidas.

Como está a saúde do cinema italiano? Fala-se muito num renascimento, há muitos cineastas novos a filmar.
Há nesta altura uma energia muito boa no cinema italiano, estão a fazer-se filmes muito bons e muito bonitos. O problema está na distribuição, os filmes são pouco vistos. Mas parece-me que o cinema italiano está revigorado, tem uma nova vitalidade.

Já está a escrever um novo filme. É, mais uma vez, uma história de família?
Não, é uma história sobre uma comunidade. Mas está tudo ainda muito vago.

(Entrevista reproduzida por cortesia da revista ‘Time Out’)

Deixe um comentário