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Uma aventura no espaço

Texto: ISILDA SANCHES

Vakula, produtor ucraniano, fez um disco inspirado num livro de ficção científica escrito nos anos 20. “A Voyage To Arcturus” é uma banda sonora fascinante que mistura jazz e electrónica e desafia conceitos de estilo.

Originalmente, A Voyage To Arcturus é um livro de ficção científica/fantasia escrito em 1920 pelo escocês David Lindsay. Há quem o coloque entre as obras-primas do género mas continua relativamente obscuro, apesar de ser considerado um livro de referência para perceber autores como J.R. Tolkien, Clive Barker ou C.S. Lewis. Agora, um disco do ucraniano Vakula vem reforçar a sua aura mítica, criando uma banda sonora totalmente em sintonia com o conceito de “odisseia metafísica do espirito”, como já lhe chamaram. No livro, que começa com uma sessão espírita, Maskull, o herói, é transportado para o planeta Tormance, que orbita em redor de Arcturus, e toda a história é de descoberta das diferentes entidades alienígenas, mas também de reflexão sobre o bem, o mal e a natureza humana. Existe uma adaptação cinematográfica, feita em 1979 por William Holloway, que, por acaso, vale sobretudo pela banda sonora, mas esta nova abordagem de Vakula ao livro vai mais longe, é ainda mais fascinante e conceptualmente mais forte.

Vakula é Mikhaylo Vityk, um dos produtores mais intrigantes da música electrónica actual (o que começa logo pelos nomes dignos de super-herói que escolhe para os seus alter egos: Vakula, Vedomir, Vedagor, Viguel). Vem da improvável e conturbada Ucrânia mas a geografia, política e estética, da sua música é mais difícil de delimitar. Dirige duas editoras (Leleka e Bandura) e tem discos editados em mais dez. Normalmente é arrumado na prateleira do deep house, ou techno, mas como DJ também passa Disco e como melómano o seu gosto vai da electrónica mais experimental, ao jazz mais espiritual e free, como confessou quando passou por Lisboa, em 2013, e onde comprou discos a atestá-lo. Há muita electrónica experimental (são grandes as influências de library music mas também de krautrock) e muito jazz neste A Voyage To Arcturus, sobretudo jazz na versão mais livre, como convém a um admirador de Yussef Lateef. Mas também há bossa nova, easy listening, techno industrial, funk, new age, prog rock, ruído de máquinas e animais, exótica, coros celestiais, até mesmo o ocasional padrão 4 por 4 que nunca chega a dominar mas manifesta-se. Uma verdadeira aventura cósmico-psicadélica, trabalho de um grupo empenhado de músicos sob a batuta de um produtor iluminado, A Voyage to Arcturus agarra, encanta, interroga e sobressalta. Cada uma das 16 faixas tem título de um capítulo do livro, o que mantem um certo fio condutor, mas não parece fundamental conhecer a verdadeira história de Maskull, ou as suas reflexões filosóficas, para que música de Vakula faça sentido. A Voyage to Arcturus é um disco poético e cinemático, realmente capaz de nos levar numa viagem até às estrelas, mesmo para lá delas, se mergulharmos fundo no seu mundo onírico. Desde já, e sem qualquer duvida, um dos discos do ano.

“A Voyage to Arcturus”
Vakula
LP, CD e ed. digital, Leleka
5 / 5

Este texto não respeita o novo acordo ortográfico

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