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Casa nova, procura-se

Texto: NUNO GALOPIM

Uma nova série de BD lança-nos no espaço e no tempo a 400 anos de distância, acompanhando um grupo de perto de dez mil pessoas que buscam nova casa para a humanidade depois da Terra ter sido devastada por guerras.

A ideia de base talvez não seja a mais imaginativa. Com o planeta Terra dizimado por guerras, com recursos esgotados e uma ecologia instável, à humanidade resta a busca de sobrevivência num outro lugar. E sem candidatos por perto – nem Vénus nem Marte e muito menos as luas de Júpiter e Saturno são capazes de albergar, por si, a vida como a conhecemos – não restava senão procurar mais longe. Onde? A um planeta com aparentes condições de habitabilidade compatível com a nossa, algures, conta-se, na constelação centauro. Há quatro séculos uma nave na forma de um cilindro, recriando espaços de visa rural e uma cidade, com florestas e lagos, espalhados pelas suas paredes interiores – a força centrífuga constrói ali uma gravidade artificial – caminha na sua direção e está na hora de visitar pessoalmente o destino projetado… E assim começa a série Centaurus, com texto assinado pela dupla Léo e Rodolphe (a mesma das séries Kenya ou Namibia, valendo a pena sublinhar que, a solo, Leo tem importante obra feita nos espaços da ficção científica) e com desenhos de Zoran Janjetov (que já trabalhou antes, entre outros, com Jodorovsky), que chega, pela Delcourt, numa altura em que a mesma chancela apresenta o primeiro volume de outra nova série, Terra Prime, de Philippe Ogaki, que acompanha outra missão de busca de nova casa por uma nave que deixou a Terra há 250 anos… Será uma nova tendência?

Quem costuma lançar os olhos pela ficção científica já viu um pouco de tudo isto por aqui e por ali. As histórias de missões em busca de um novo mundo depois de termos deixado este em cacos tem já barbas. E nenhuma foi ainda tão arrebatadora como aquela em que, no breve conto de 1953 Survey Team, Philip K. Dick nos falou de uma missão que chega a Marte, em busca de nova casa para a humanidade que habita uma Terra moribunda para ali descobrir que, em tempos, os marcianos tiveram de partir depois de terem dado cabo do seu planeta, encontrando nova casa mesmo ali ao lado: no Planeta Azul… A nave cilíndrica traz memórias do histórico Rendez Vous With Rama de Arthur C. Clarke. E o comboio humano a caminho de melhor destino já andou por vários trilhos da galáxia, por exemplo, até mesmo na série Galactica

Mas Centaurus tem valores que justificam, mesmo entre premissas já exploradas e o que podem ser (justificáveis) citações, uma atenção por uma história que este volume – com o subtítulo Terre Promise (e sem aparentes conotações bíblicas) – para já nos mostra.

Se o traço peculiar de Janjetov no desenho dos rostos – sobretudo nalgumas personagens masculinas – se perde por vezes entre traços a mais para superfície a menos, já na caracterização dos espaços é particularmente cativante, servindo pelas imagens a alma mais pessoal de que eventualmente careciam as linhas gerais da história que se conta. As visões bucólicas dos povoados dentro do grande cilindro, a sugestão de estruturas artificiais com colunas e tubos que contrastam com o que, à partida, poderia ser uma paisagem da Europa Central, a pequena “grande cidade” num dos extremos da estrutura e os traços da arquitetura alienígena – com algumas vitaminas de cultura pré-colombiana, mas devidamente assimiladas – que os visitantes encontram no planeta são motivos de dimensão quase cinematográfica que valorizam (e muito) o lançamento desta narrativa.

Às premissas (não muito imaginativas, como já se sublinhou), Leo e Rodolphe juntam contudo uma série de focos de atenção potencialmente capazes de nos dar bons desenvolvimentos. As protagonistas são duas gémeas, uma delas cega mas não só capaz de sentir o mundo pelos olhos da irmã como é dotada de capacidades premonitórias em imagens que desenha. A existência de vida no planeta, assim como a certeza de que houve (ou haverá?) ali uma civilização, abre apetites para o volume 2. A descoberta de que o casco da grande nave cilíndrica foi perfurado durante a viagem e que algo ali entrou há alguns anos, junta condimentação com sabor de thriller

Nem pelo desenho nem pelas características da história estaremos perto do melhor que a BD franco belga nos deu no espaço da ficção científica. Da série Incal de Jodorovsky (com vários volumes desenhados por Moebius) à mais recente Aâma de Frederik Peeters, a BD já foi mais longe e conheceu visões e narrativas mais imaginativas. Centaurus está mais perto dos universos a que o cinema e, mais ainda, a ficção televisiva, poderiam visitar. É contudo caso para ficar à espera das cenas dos próximos capítulos para ter uma mais clara visão das reais potencialidades desta nova série.

“Centaurus T.1 – Terre Promise”
de: Leo & Rodolphe + Janjetov
Delcourt, 48 págs.
ISBN 9782756040295
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