Estes romanos… são aos quadradinhos
Texto: NUNO GALOPIM
Não foi por acaso que, há poucas semanas, a revista dBD apresentou uma edição especial dedicada a Roma. A dos Césares e da república e até mesmo das histórias que a precederam e ocasionalmente de algumas das narrativas, figuras e lugares que chegaram depois. Das paródias com Astérix e Obélix como protagonistas às aventuras de Alix, o jovem gaulês criado por Jacques Martin e que, depois de adotado por um patrício romano, se torna numa figura de relevo do seu tempo, Roma (antiga) definiu uma presença na BD que entretanto ganhou fôlego maior com as séries Murena e As Águias de Roma – ambas a colocar em cena uma mais evidente sexualização das narrativas, sem contudo perder o foco histórico das histórias contadas, devendo assinalar-se neste panorama de fartura de oferta uma nova geração de aventuras de Alix, projetadas uns anos mais tarde, com o jovem agora no papel de Senador, em Alix Senator.
Roma, que já inspirou pintores, escultores, escritores e realizadores de cinema, encantou também criadores de BD para lá das fronteiras do espaço “franco-belga” onde nasceram Alix, Astérix, Lucius Murena e outros heróis. Dos comics ao universo manga há exemplos a ter em conta, entre eles casos como os de Virtus, de Gibbon e Hideo Shinanogawa, Pompei, de Frank Santoro, Thermae Romae, de Mari Yamazaki, além dessa aventura que junta ingredientes de viagem no tempo e história alternativa que encontramos no brilhante Pax Romana, de Jonathan Hickman (cuja narrativa transcende contudo o espaço “romano” antigo que cruza estas outras histórias de que aqui falamos).
Este ano surgiram nos escaparates duas novas séries, uma delas propondo sobretudo apontar azimutes a diferentes etapas da história da cidade, a outra apresentando um herói romano com outras coordenadas de latitude e longitude, colocando-o em Constantinopola, a capital do Império Romano do Oriente.
Roma é o título genérico do projeto de cinco volumes que tem como figura tutelar Gilles Chaillet (1946-2011), antigo colaborador de Jacques Martin em séries como Lefranc e Les Voyages d’Alix e criador da série Vasco (inicialmente apresentada no Le Journal de Tintin), um herói basco do século XIV. Roma foi contudo sempre a paixão maior de Chaillet, que tanto a expressou através dos trabalhos associados a Alix como no díptico Vinci ou no livro Dans La Rome des Césars, no qual recua à velha capital imperial para, bairro a bairro, a recriar em desenhos.
Já incapacitado de desenhar, Chaillet lançou a ideia de base para uma série que retratasse a história de Roma através de alguns episódios, cada qual projetado numa etapa distinta da história. Sabe-se já que o volume 2, com o título Vaincre ou Mourir, tem ação que decorre no ano 218 a.C. e que os volumes 3 a 5 decorrerão, exatamente, nos anos 44 a.C., 39 e 326.
La Malédiction, com texto assinado por Éric Adam, Pierre Bosserie e Didier Convard e desenhos de Régis Penet, com cores de Nicolas Bastide, leva-nos mais atrás no tempo até ao ano 1250 a.C., procurando na lenda da estátua que atribuiria vida eterna à cidade de Roma (daí o seu cognome) a peça central de uma narrativa que acompanha o cerco e queda de Tróia. Tomando como protagonistas o Aquilon e o general Leonidas, mais as duas misteriosas figuras que um dia irrompem pelos portões da cidade sitiada, a narrativa junta como elementos igualmente fulcrais a estranha estátua de olhos vendados assim como o mítico cavalo que abrirá as portas à queda da cidade perante as forças gregas.
A personalidade clássica do traço de Penet, que aceita a escola de rigor na reconstituição dos cenários que era tão cara a Gilles Chillet, inscreve esta primeira parte da série no veio de uma velha tradição de narrativas históricas. Tal como sucede na série Murena há uma preocupação em contextualizar historicamente o que aqui vemos e lemos, num apêndice de oito páginas assinado por Bertrand Lançon, professor de História Romana na Universidade de Limoges.
Não é contudo do mesmo calibre o volume de estreia da série Maxence, que nos leva até Constantinopola, nos tempos do imperador Justiniano e da imperatriz Teodora. Esta última terá sido a figura catalisadora do interesse nesta estreia na BD do escritor Romain Sardou (filho do cantor Michel Sardou), que assina o texto, aqui ilustrado pelo brasileiro Carlos Rafael Duarte. Teodora, mulher de origem plebeia (conta-se que foi atriz, sendo menos unânime que tenha trabalhado num bordel), casou com Justiniano após este revogar uma lei que originalmente impediria o matrimónio e fez-se uma das mais poderosas figuras femininas da história bizantina. Tomada aqui como força temerária que não mede meios para chegar aos seus fins, é quase tão central na narrativa como o jovem Maxence, um justo domador de feras, numa história que acompanha o escalar de tensões entre adeptos de equipas rivais nas corridas de quadrigas. Mais focada na trama que no contexto ou numa mais profunda exploração das figuras histórias que convoca, Maxence fica um pouco aquém das potencialidades. É cedo para tirar conclusões mas o começo é de alguma dieta de ideias – sobretudo no plano do argumento – face à vasta concorrência que neste momento tem Roma como um dos mais visitados entre os destinos da BD franco-belga.
“Roma T.1 – La Malédiction”
de Adam, Boisserie, Chaillet, Convard e Penet
Glénat,
ISBN 978 2 7234 9906 4
“Maxence T.1 – La Sédition Nika”
de Sardou & Duarte
Le Lombard, 56 págs.
ISBN 978 2 8036 3421 7

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