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No canyon, com Andrew Bird

Texto: NUNO GALOPIM

Na primeira de cinco experiências de gravação em locais diferentes o músico leva-nos a um canyon no Utah e revela uma música que sabe escutar aquele lugar.

Temos assistido, nos últimos tempos, a uma interessante abertura de espaços de diálogo entre músicos que, com foco principal de trabalho em espaços da música popular, se apresentam também como autores de música orquestral, instrumental ou para pequenos grupos de câmara, o mesmo acontecendo no sentido oposto, em colaborações vendo figuras com formação e trabalho nos universos da música contemporânea a ensaiar colaborações com gentes do meio pop/rock e suas periferias. Deixou de causar surpresa ver músicos como Johnny Greenwood (dos Radiohead), Richard Reed Parry (Arcade Fire) ou Bryce Dessner (The National) a editar peças suas no catálogo de uma Deutsche Grammophon e, ao mesmo tempo, entrar Nico Muhly a assinar arranjos para os Grizzly Bear e Antony & The Johnsons ou uma voz como a de Joel Frederiksen a gravar versões de canções de Nick Drake na Harmonia Mundi. Andrew Bird há muito que deixou já claro que não esgota as suas visões enquanto compositor nas canções que tem vindo a gravar em discos e a apresentar em concertos pelo mundo fora. Em 2009 tinha já editado, como disco companheiro do álbum Noble Beast, um conjunto de peças instrumentais claramente distantes da ordem folk com alma indie que habitualmente conduz a sua música, lançando-as num outro disco (disponível em edição avulso ou em pack conjunto) a que chamou Useless Creatures. Não há desta vez um álbum de canções a servir de ponto de partida para acomodar uma experiência instrumental diferente. Mas Echolocations: Canyon surge de um espaço igualmente capaz de expressar a vontade de não esgotar todas as ideias e anseios criativos na canção. E, de resto, é ao que parece a primeira parte de uma série que o levará a conduzir experiências semelhantes em outros locais.

Para este primeiro episódio de exploração não apenas de formas de composição diferentes – com o seu violino como voz protagonista – Andrew Bird escolheu a rede de canyons conhecida como Coyote Gulch, no Utah. E ali se instalou in loco, montando um sistema de captação de som que lhe permitiu gravar a música, o espaço em volta e a relação do som com o ambiente. O resultado escuta-se num disco para já disponível apenas em plataformas digitais, sendo também a gravação um convite à sua audição numa instalação, num sistema com 36 altifalantes, que esteve patente durante algum tempo numa sala do ICA em Boston, ali apresentada como Sonic Abroteum, e mostrada como o fruto de uma colaboração entre Andrew Bird e Ian Schneller.

Echolocations: Canyon é uma proposta de libertação da música de Andrew Bird para lá das paredes do estúdio e das salas de concerto. Com os canyons, o rio, a areia que faz as margens e o céu que se abre por cima, o violino, o corpo do músico e os espaços em volta definem os acontecimentos. Explorando a composição, o espaço que a inspira e a relação física de um com o outro (mais o músico em cena), Echolocations: Canyon é uma peça em sete partes na qual vemos Andrew Bird por vezes entregue a uma demanda de sensações e cenários – buscando a ideia de soundscape que possa materializar no som a sua vivência daquele local –, noutros momentos aceitando o desejo de seguir a melodia, sem contudo entrar pelos caminhos de maior simplicidade habitualmente associados às tradições da folk. Há claras marcas de identidade aqui e ali, próprias de uma relação sua com o instrumento que conhecemos de tantas canções que nos mostrou já ao vivo e em disco. Mas acima de tudo há aqui a expressão de um desejo de liberdade adiante das formas a que um percurso de cantor o obriga noutras ocasiões. Se virmos o pequeno filme que Tyler Manson rodou no local, durante a gravação, tudo ganha sentido sem a necessidade de convocar muitas mais palavras. E se depois voltarmos a experimentar a música, de olhos fechados, quase estamos lá.

“Echolocations: Canyon”, de Andrew Bird está disponível apenas em plataformas digitais – de download e streaming.

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