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De quem é a arte?

Texto: NUNO GALOPIM

“A Mulher de Ouro” recorda o processo que culminou com a restituição a uma familiar do célebre quadro de Klimt que, desde os tempos da II Guerra Mundial, estava em exposição num museu austríaco.

Temos assistido, nos últimos anos, ao surgimento de novos pontos de vista sobre memórias dos tempos da II Guerra Mundial, sendo filmes como os brilhantes Lore de Cate Shortland, Ida de Pawel Pawlikowski ou No Nevoeiro, de Sergei Loznitsa, bons exemplos dessa mesma busca de histórias e abordagens ainda por contar sobre o conflito que é talvez o mais representado na história do cinema. 2015, ao assinalar os 70 anos sobre o fim da guerra, está a juntar a este corpo recente de filmes uma série de títulos importantes. De um Labririnto de Mentiras, de Giulio Ricciarelli, que acaba de ter edição em DVD entre nós, a Son of Saul, de László Nemes, que passou há poucas semanas em Cannes, o ano junta a esta lista A Mulher de Ouro, produção inglesa assinada por Simon Curtis que nos coloca perante uma realidade dos nossos dias que decorre diretamente de factos ocorridos naquele tempo: a restituição aos donos originais de obras de arte roubadas pelo regime nazi.

Os casos pendentes são bastantes. Mas dos que já conheceram resolução o mais célebre foi certamente o que opôs uma cidadã de berço austríaco, forçada a fugir do país depois do anchluss e com residência desde então nos EUA, ao seu país de origem, que mantinha exposto num dos principais museus de Viena um quadro de Klimt que era propriedade da sua família e que, segundo o testamento do seu antigo dono, deveria pertencer a si e à sua irmã (entretanto falecida).

Helen Mirren veste a pele de Maria Altmann, filha de uma família judaica de grandes posses e com primeiros anos de vida feitos num andar de um rico prédio vienense repleto de obras de arte. Tendo assistido a primeiros sinais de perseguição nas ruas da cidade e obrigada mesmo a permanecer em casa segundo ordens oficiais, consegue levar a bom porto um plano de fuga ao lado do marido com quem recentemente casara, deixando para trás os pais e todos os pertences, a história seguinte de alguns deles, com o tempo, sabendo-a em outras mãos e rumo a outros destinos. O mais preciso de todos eles era um retrato da sua tia Adele – Adele Bloch-Bauer, nada mais, nada menos – que o tio encomendara a Gustav Klimt e que em tempos habitava a parede de uma das salas de sua casa. Exposto há muito no Museu do Palácio de Belvedere, em Viena, o quadro tornara-se um ícone nacional austríaco. Ao remexer nos pertences da irmã após a sua morte, encontrando cartas e outras memórias, Maria Altmann colocou a si mesma uma questão: seria possível reaver este quadro? Sobretudo depois de se saber que havia um programa oficial para apoiar restituições do género?

Colocando Ryan Reynolds na pele de um jovem advogado – neto de Arnold Schonberg, outro austríaco forçado a deixar o seu país por motivos semelhantes –, o filme cruza a história do processo, à partida aparentemente impossível de vencer, com ecos das memórias vienenses de Maria. Fica sugerido que, mesmo perante o aparato oficial de um programa estatal que visava levar o seu a seu dono, todas as restituições não seriam necessariamente iguais, porque, como o poderia dizer Orwell, umas seriam mais iguais que outras…

Clássico nas formas, abordando uma história verídica que importa conhecer através de um argumento sóbrio e bem estruturado, juntando à trama no presente as janelas que contextualizam o passado, e suportada por brilhantes interpretações de Helen Mirren e Ryan Reynolds, A Mulher de Ouro pode não trazer à história das representações cinematográficas da II Guerra Mundial uma carga de inovação e mesmo desafio como os que Shortland explorou narrativa e visualmente em Lore, os que Clint Eastwood procurou no díptico sobre a batalha de Iwo Jima (lembrando que há, pelo menos, sempre dois lados numa mesma história) ou os que Spielberg nos mostrou na sequência de abertura de O Resgate do Soldado Ryan, na qual sugeria um sentido de realismo imersivo absolutamente assombroso. Junta contudo às muitas narrativas da II Guerra Mundial uma que ainda tem memórias memórias por contar, chamando a atenção para o facto de que, mesmo num tempo em que antigos inimigos se podem juntar em cerimónias evocativas, há feridas que ainda não estão saradas.

Como complemento pode valer a pena rever depois The Monuments Men – Os Caçadores de Tesouros (2014), de George Clooney, e o documentário The Rape of Europa (2014), de Richard Berge, Bonni Cohen e Nicole Newham.

“A Mulher de Ouro”, de Simon Curtis, com Helen Mirren, Ryan Reynolds e Daniel Brühl, está em exibição.

PS. O quadro de Klimt está agora em exposição no Neues Museum, em Nova Iorque.

1 Comment on De quem é a arte?

  1. Desconhecida's avatar osfilmesdefredericodaniel // Fevereiro 17, 2016 às 9:12 pm // Responder

    “Mulher de Ouro”: 5*

    Eu não tinha grandes esperanças para o filme “Mulher de Ouro” e surpreendeu-me positivamente.
    É um filme obrigatório este “Woman in Gold”.

    Cumprimentos cinéfilos, Frederico Daniel!

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