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A ganância é pior do que as dentadas

Texto: NUNO GALOPIM

Vinte e dois anos depois de “Parque Jurássico”, o cinema regressa a Isla Nublar com uma história que volta a colocar a ganância pelo lucro como gatilho para o desmoronar de um sonho que a ciência e a tecnologia tinham construído.

É como um regresso a casa. Ao largo da Costa Rica, a (fictícia) Isla Nublar acolheu há mais de 20 anos o parque que o escritor Michael Crichton imaginou e Steven Spielberg levou ao grande ecrã. Era uma maravilha apenas possível pelos avanços da ciência e tecnologia, permitindo do DNA de células de sangue de dinossáurios, encontradas em insectos fossilizados em âmbar, reconstruir os animais, devolvendo-os à vida mais de 65 milhões de anos depois da extinção em massa que chegou no final do Cretácico. Mas depois foi o que se soube… Da ganância humana nasceu a brecha na segurança e, com ela, o primeiro de uma série de incidentes que acabaram por ver um gigantesco T-Rex e uma matilha de velociraptors à solta pela ilha, num vê se te avias de dentadas que deixaram claro tudo o que de potencialmente desequilibrado havia no ecossistema geneticamente manipulado que ali havia sido criado.

Passaram mais de 20 anos – pelo caminho houve um segundo filme interessante e um terceiro medíocre – e eis-nos de regresso a Isla Nublar com um quarto filme do qual se começou a dar primeiros sinais de vida há mais de uma década mas que só recentemente ganhou fôlego e forma. Mundo Jurássico, de Colin Trevorrow, surge assim com 14 anos de diferença sobre o filme anterior da saga e, como mandam as regras perante semelhante intervalo, com as características naturais de um reboot. Há por um lado uma nova história e personagens, mas ao mesmo tempo toda uma mitologia que se mantém (incluindo citações à banda sonora original de John Williams) e as naturais alusões a factos e figuras de outros tempos. Na verdade são até bastantes as presenças de memórias de Parque Jurássico (o filme original), desde uma visão, entretanto invadida pela selva, do átrio do complexo original, a jipes, T-shirts e referências a personagens (apenas uma contudo regressa, e vestida pelo mesmo ator, recriando uma vez mais o chefe do laboratório onde os dinossáurios são geneticamente manipulados).

Mais de duas décadas depois como é o novo “parque” temático? É em tudo semelhante ao original, embora com medidas de segurança reforçadas e uma presença turística bem mais visível, havendo na ilha uma ocupação habitual de cerca de 20 mil visitantes por dia. Há lojas por todo o lado, viagens de monocarril e umas giroesferas xpto que caminham entre os grandes herbívoros, e até um espetáculo aquático com um mosassauro… Sinal dos tempos – e a coisa não é estranha para quem segue as opções do presente nas indústrias do entretenimento –, quem gere o parque sente a necessidade de, com alguma regularidade, surpreender o público com algo novo. E na busca de maior, mais ruidoso e mais assustador, o laboratório da InGen (a companhia que detém o parque) cria um animal novo. Chamam-lhe Indominius rex, é de proporções consideráveis, viveu até aqui fechado numa jaula de alta segurança e na verdade é uma incógnita cujas surpresas (sem surpresa) acabarão por alimentar o filme… Outro dado importante lançado na construção da trama é a presença de quatro velociraptors que são habitualmente alimentados por um treinador que ensaia gestos que tentam uma ideia de domesticação… Gestos que o chefe de segurança acompanha, sonhando ali estar encontrada uma possível “arma” para uso militar, vislumbrando assim uma oportunidade de negócio. O cocktail de agendas com lucro em vista junta-se à visita dos sobrinhos da gestora do parque para lançar a narrativa na qual não será spoiler dizer que não faltarão… dentadas.

Tecnicamente competente – sobretudo na recriação dos animais e até mesmo dos hologramas usados em alguns locais do parque –, Mundo Jurássico não se afasta muito do registo que Spielberg usara em Parque Jurássico, embora sendo claro que os enquadramentos, movimentos de câmara e insight sobre as personagens não são os mesmos. Mesmo assim, e superando em muito o terceiro filme da saga, Mundo Jurássico reativa a ideia com os ingredientes certos para uma história que não deixa de sublinhar na ganância o segmento errado do genoma de todo o sonho que o criador original do parque idealizara e na verdade se revela assim impossível de cumprir. Pena o segmento na linha predador vs. alien que a dada altura entra em cena (e não se diz mais para não fazer spoiler de facto), que em nada se compara ao arrepio da sequência de perseguição dos velociraptors no filme original… Mesmo assim, e entre tantos super-heróis e outros exemplos de falta de imaginação no cinema de ação, barulho e arrepio para massas no nosso tempo, Mundo Jurássico mostra um dosear de condimentos mais apurado e não esquece que há personagens de carne e osso, uma trama e uma ideia de base além da artilharia de efeitos visuais.

“Mundo Jurássico”, de Colin Tevorrow, com Chris Pratt, Bryce Dallas Howard e Vincent D’Onofrio, está em exibição.

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