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O correio de Björk que chegou há 20 anos

Texto: NUNO CARDOSO

Destemido, musicalmente promíscuo e esquizofrénico. É assim que a islandesa descreve “Post”, o segundo álbum a solo em inglês no qual explorou a sua assinatura na pop com a devida dose de ecletismo e experimentalismo. O disco que deu a conhecer “Isobel”, “Hyperballad” ou “It’s Oh So Quiet” foi lançado há precisamente 20 anos

Antes do e-mail e da SMS, existia a carta. Depois de se mudar temporariamente para Londres, com um Debut que despertou o interesse em torno da sua música e da sua peculiar personalidade artística, Post, o segundo álbum em nome próprio cantado em inglês, foi a forma que a islandesa Björk encontrou para colocar a família e os amigos a par dos seus estados de espírito. Além disso, a cantora viu neste disco a segunda metade de Debut, apelidando-os também como forma de dar a conhecer o antes e o depois do seu experimentalismo nos meandros da pop.

“Todas as músicas no disco dizem: ouve, é assim que eu me estou a sentir. É um disco sobre as emoções de uma rapariga que deixa o seu país e encontra um novo mundo por explorar”, explicou a própria, acrescentando que, além de ser “destemido”, Post é “musicalmente promíscuo”. E percebe-se porquê. Musicalmente, é um dos álbuns menos coesos da sua carreira, principalmente quando pensamos na homogeneidade de registos posteriores como Homogenic ou Vespertine.

Um dos maiores êxitos de vendas da carreira de Björk Guðmundsdóttir, tinha ela 29 anos, Post marca uma assinatura assumidamente pop, mas eclética e esquizofrénica o suficiente para juntar influências de vários caminhos. Uma explosão diversa de ritmos e influências que vai beber aos rumos mais recentes das eletrónicas mais intensas inglesas em Army of Me e Enjoy, ao emergente trip hop em Possibly Maybe, ao minimalismo de Headphones, à euforia psicadélica e sintetizada em Hyperballad, ao jazz de orquestração a piscar olho às memórias da era do swing em It’s Oh So Quiet, ao dramatismo sinfónico de Isobel, aos momentos de fragilidade em You’ve Been Flirting Away ou a ambientes sonoros sinistros em Cover Me.

Em forma de carta, foi assim que Björk se mostrou ao mundo em 1995. Post foi lançado há precisamente 20 anos. E chegou a altura para recordar os seis singles extraídos do primeiro disco coproduzido na sua totalidade pela islandesa.

“Army of Me”
Um dos primeiros temas compostos para este disco – inclusive antes até de Debut chegar às lojas –, o primeiro avanço de Post foi coescrito e coproduzido ao lado de Graham Massey e Nellee Hooper, este último um dos mais fiéis companheiros de Björk na sua discografia, assim como Mark Bell. Army of Me é uma canção de revolta, que a islandesa escreveu para o irmão mais novo numa altura em que este estava a atravessar uma fase difícil. O teledisco, realizado por Michel Gondry (que já tinha assinado o de Human Behaviour), mostra a cantora a conduzir um imponente camião, que usa diamantes como combustível.

“Isobel”
Lançada em agosto de 1995 como o segundo single de Post, e composta ao lado de Hooper, Marius de Vries e Sjón, Isobel conta a história de uma mulher que nasce na floresta e que enfrenta o seu dia-a-dia de acordo com os instintos, em detrimento da racionalidade que rege a vida das grandes cidades. Björk já explicou que o tema é semiautobiográfico e está inserido numa linha de continuidade de canções que partilham a mesma mensagem, com a sequência Human Behaviour – Isobel – Bachelorette – Oceania – Wanderlust. Também este teledisco foi assinado por Gondry.

“It’s Oh So Quiet”
Foi o último tema composto para o disco, “para ter a certeza de que o álbum era mesmo esquizofrénico”, explica Björk. It’s Oh So Quiet, uma versão de um lado B da norte-americana Betty Hutton, é talvez o single mais facilmente reconhecível para o público em geral, do catálogo da cantora islandesa, e um dos seus maiores êxitos de airplay e vendas, mas é também um dos temas mais ignorados por Björk. Assim que terminou a fase de promoção da era Post, a artista nunca mais cantou este single ao vivo, quer em digressões ou programas de TV, e também não o incluiu no seu Greatest Hits. Muitos dos fãs olham para este single, o terceiro de Post, como um dos mais desinspirados da cantora. O teledisco, realizado por Spike Jonze, vai beber inspiração à Broadway e ao musical francês Les Parapluies de Cherbourg, de Jacques Demy.

“Hyperballad”
É um dos quatro temas de Post que Björk compôs sozinha. O quarto single do álbum, lançado em fevereiro de 1996, foi escrito a partir de um sonho que a cantora teve, sobre como ultrapassar os problemas de uma relação conjugal sem perder a própria identidade – nem que isso implique atirar garrafas do topo de uma montanha. Ao longo dos anos, artistas como os Yeah Yeah Yeahs, Robyn ou Tori Amos já apresentaram ao vivo as suas próprias versões do tema. Michel Gondry volta a assinar o teledisco, na altura descrito por vários críticos como um dos melhores temas de Björk, e que mostra a cantora como uma personagem de videojogos.

https://www.youtube.com/watch?v=26sP2WsA5cY

“Possibly Maybe”
Explorando as diferentes fases de uma relação amorosa, desde o fascínio e a ingenuidade da fase inicial até ao amargo fim, o quinto single de Post, um dos temas mais introspetivos do álbum, foi escrito depois do fim do romance da cantora com o artista francês Stéphane Sednaoui – daí a expressão “mon petit vulcan” –, que, curiosamente, é o realizador do teledisco, todo ele assente em néons e passado em vários quartos de um apartamento.

“I Miss You”
Uma mulher que sabe exatamente descrever quem é o seu grande amor, sem nunca o ter conhecido: é este o mote do sexto (!) e último single de Post. Com forte genética assente na percussão, é um dos temas mais extrovertidos e dançáveis do LP. Composta e produzida ao lado de Howie Bernstein, é ilustrada visualmente com um divertido teledisco de animação realizado por John Kricfalusi, o mesmo responsável por clássicos como Ren & Stimpy. O vídeo tem até direito a uma participação especial, apesar de muito curta, de Fred Flintstone.

https://www.youtube.com/watch?v=IKSoBJ8WirE

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