Beautify Junkyards: “O passado está constantemente a assombrar o presente”
Entrevista por: NUNO GALOPIM
Fazer um disco de versões como álbum de estreia serviu de cartão de visita com que objetivos?
Não foi um processo premeditado, a ideia de lançar um álbum surgiu já depois termos gravado algumas versões, em sessões ao ar livre puramente experimentais. O resultado foi-nos surpreendendo e resolvemos ir mais longe, criar uma nova banda e dedicar o primeiro álbum à recriação de algumas músicas emblemáticas da folk imprimindo-lhes o nosso cunho pessoal, mas sempre tentando manter a sua essência. No fundo acabou por ser um processo muito interessante que parte do assumir explícito de algumas das nossas principais influências, para depois partirmos pelo nosso próprio caminho.
Fazer agora originais era um passo já antes pensado?
Depois da edição do primeiro álbum houve alguns convites para lançarmos outras versões por editoras estrangeiras e acabámos mesmo por fazer uma versão dos The Hollies num tributo pelo selo inglês Fuits de Mers, mas ao fim de um tempo começou a crescer entre nós a ideia de que seria um desafio grande pegar em toda aquela herança e criarmos material original. Resolvemos então mergulhar em todo este processo que originou o novo The Beast Shouted Love.
A vossa vivência entre referências folk antecede em muito a criação da banda ou foi realidade que a precedeu em pouco tempo?
Para alguns elementos passou a ser uma realidade mais próxima desde a criação da banda, para outros é algo que já vinha de trás, se bem que não era consumida com uma intensidade tão acentuada. Claro que nomes mais sonantes como Simon and Garfunkel, Nick Drake já faziam parte das nossas colecções mas também as ramificações propostas pelos This Mortal Coil já haviam levado a investigar artistas como Tim Buckley e Roy Harper. No início dos anos 2000 com o início da vaga da weird folk americana (Devendra, Vetiver, Espers, etc) há uma série de autores dos anos 60 e 70 que começam a ser referenciados e resgatados, sendo Vashti Bunyan e Linda Perhacs exemplos disso. A partir daí fomos pesquisando e descobrindo todo um admirável mundo novo e o nosso interesse germinou de uma forma muito mais intensa, mas sempre como ouvintes, só com os Beautify Junkyards viemos dar corpo e voz a essa atracção.
O disco não segue exatamente um caminho entre uma escola folk, mas procura o que parece uma vivência mais caleidoscópica de sugestões e sensações. O que procuraram ao moldar a vossa visão de algo que parte da folk mas nela não se esgota?
Não queríamos seguir um caminho muito hermético, a partir da essência folk, porque trabalharmos as vozes e violas como núcleo. Queríamos igualmente expandir a nossa sonoridade noutras direcções, principalmente porque a nossa vivência urbana e gosto musical não se esgota nesse universo. Considero que em diversas abordagens estilísticas existem elementos comuns que no fundo denotam uma certa visão, uma forma de estar, uma abordagem artística. É isso que procuramos, de acordo com a nossa sensibilidade, irmos resgatar elementos de tempos e tendências diferentes.
As electrónicas trazem aqui luz a uma música que parece do foro mais outonal…
Acho que também há trechos e elementos acústicos que traduzem vislumbres de luz. No fundo há um jogo de luzes e sombra. Penso que é um álbum emocionalmente rico e em que a utilização desses elementos acaba por nos remeter para um espaço idílico mas ao mesmo tempo impregnado pela nossa vivência na cidade e ainda por cima em tempos de velocidade estonteante, funcionando quase como um antídoto que nos permita explorar outras abordagens no nosso quotidiano urbano, nas nossas relações, na nossa relação com a natureza, na própria relação das cidades com a natureza.
Há uma presença intensa da memória a atravessar o disco. É um valor pouco tido em conta por alguma cultura mainstream contemporânea. Porque a valorizam?
Atrai-nos a possibilidade de diluir os conceitos mais rígidos de tempo, em que o passado é visto como algo que já passou. Interessa-nos o conceito de que o passado está constantemente a “assombrar” o presente, sendo o presente indissociável do passado que transporta. A nível individual o nosso passado são as nossas memórias e poder revisitá-las pode ser um exercício apaziguador e libertador. O realizador, escritor, mago Jodorowksy diz mesmo que devemos revisitar memórias menos positivas e retocá-las, transformando-as em experiências que nos tragam mais luz e felicidade ao presente. Transportando isso para a música e em particular para o nosso álbum, a riqueza de toda essa herança dos últimos 50 anos de produção musical traz-nos uma fonte inesgotável de inspiração, que está sempre latente. Desde Daphne Oram e Delia Derbyshire (BBC Radiophonic Workshop), passando pelas experimentações electrónicas de Mort Garson e pela celebração onírica dos autores da folk outunal. A ascendência cósmica da música alemã dos anos 70, o tropicalismo mestiço brasileiro impregnado pelo psicadelismo eurpeu, as sensações portuguesas emanadas da poesia, viola e voz do Zeca Afonso, até expressões mais contemporâneas de bandas como os Boards of Canada, Broadcast, tudo isso acabam por ser lugares e memórias que o nosso subconsciente “visita” quando as notas e melodias surgem no processo criativo.
A voz e a presença da Rita Vian que horizontes abriu na música dos Beautify Junkyards?
Veio trazer novas possibilidades, tem um timbre muito bonito e personalizado e além disso, permite que trabalhemos harmonias das 2 vozes o que em algumas músicas nos remete para um universo que nos interessa. Além disso também é uma boa instrumentista o que é muito útil nos concertos.
Lançaram uma edição em LP do álbum de estreia. Valeu a pena a opção? Vão repetir a experiência?
Sim, o álbum de estreia foi distribuído em toda a Europa por um selo holandês que é a Clear Spot. Tivemos críticas muito positivas em revistas e sites especializados (Europa, Brasil e EUA), airplay na BBC2, BBC6, rádios universitários americanas e programas de autor. Chegou mesmo a constar em algumas listas de melhores álbuns do ano 2013, sendo o exemplo disso a revista americana Goldmine em que o álbum figurou entra os melhores 5 álbuns do ano na categoria de folk & rock psicadélico. Quanto à edição do novo álbum, celebrámos recentemente um acordo com uma editora inglesa (Mega Dodo) para lançamento em setembro para toda a Europa, uma edição em vinil e também em CD. É uma editora pequena mas muito respeitada no circuito da psych folk, rock psicadélico e eletrónica e tem vindo a atrair a atenção da imprensa musical, revistas como a Shindig, a Record Collector, a Rock´Reel e sites de musica europeus têm destacado regularmente as suas edições. Estamos bastante entusiasmados com as perspectivas desta edição, que nos possa ajudar a solidificar o nosso caminho, que nos permita chegar a mais pessoas e que esse feedback nos chegue e nos transmita vibrações que realimentem a nossa inspiração.
Por que circuitos nacionais vão mostrar agora estas canções?
Fizemos alguns concertos de apresentação, iremos tocar no festival Reverence em Agosto e depois em Setembro planeamos fazer uma tour nacional por clubes e auditórios.
O álbum ‘The Beast Shouted Love’ está editado em CD pela Nos Discos

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