Peixe: “A guitarra acústica presta-se mais para a interpretação de peças a solo”
Entrevista por: NUNO GALOPIM
Depois de várias experiências elétricas o que o conduziu a um trabalho mais focado na guitarra acústica?
Penso que foi a necessidade que senti de concentrar aquilo que fui aprendendo ao longo do meu percurso musical, no formato mais simples possível, que é o meu instrumento a solo. A guitarra acústica, pelas suas características tímbricas e de dinâmica, tem na minha opinião um caráter mais orgânico que a guitarra elétrica e presta-se mais para a interpretação de peças a solo, daí ser natural que neste processo tenha privilegiado o seu uso.
Como se descobre uma “voz” pessoal numa música essencialmente instrumental?
Experimentando muito, fazendo e voltando a fazer. Mandando muita coisa para o lixo, até que a dada altura há uma imagem que começa a aparecer, ténue e que aos poucos vai ganhando contornos mais nítidos, como na revelação de uma fotografia. Esse processo de auto-revelação faz-se, procurando harmonias, ritmos, melodias e contrapontos que só sobrevivem quando sentimos que de alguma forma representam o que queremos expressar.
O álbum Motor sugere momentos emocionais. Podemos chamar-lhes mais retratos? E o que os inspirou?
Sim, são como retratos tirados ao longo do processo de construção do disco. Sugerem-me o momento preciso em que as músicas começaram a ser feitas, inspiradas por nada mais que esse próprio momento e o que eu estava a sentir na altura. A minha música não é conceptual. Não tento traduzir nada, para além de narrativas sonoras abstratas que acredito serem capazes de conduzir o ouvinte a algum lugar.
Está a nascer entre nós uma “família” de compositores focados na guitarra, ou há apenas uma coincidência de carreiras a apontar neste sentido numa mesma altura?
Penso que há uma coincidência de carreiras que inevitavelmente formam uma família de artistas que se inspiram e incentivam mutuamente, o que considero muito salutar.
Quando se tem na cronologia uma etapa como a que viveste nos Ornatos Violeta como se vive o presente e projeta o futuro, sabendo que há sempre quem lembre (naturalmente) esse passado?
Tento o mais possível viver o presente. Não me sinto preso ao passado, vejo-o apenas como um percurso que me deu oportunidade de experimentar e de poder evoluir no sentido de poder agora fazer o que faço, sendo o que faço apenas a última fase de aprendizagem para o meu próximo projeto e assim sucessivamente. O facto de haver quem recorde o meu trabalho anterior, ajuda-me sobretudo a acreditar que o caminho que fui traçando fez algum sentido e contribuiu para o bem estar de alguns, o que naturalmente me deixa feliz.

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