Soufflé de autor
Texto: DIOGO SENO
No número deste mês dos Cahiers du Cinéma, Stéphane Délorme, editor, escreve, a propósito da última edição de Cannes, sobre os “filmes de festival”, fenómeno recente que tem vindo a mostrar-se nos grandes festivais de cinema.
Os “filmes-festival” são feitos pelos realizadores que entram num circuito e se tornam os eleitos de certos festivais: são obras com uma determinada estética e que seguem determinados credos. O que se perde quando são estas obras que ganham visibilidade nos festivais é a criatividade, as vozes novas e, sobretudo, o Cinema.
Refere-se isto porque Um pombo sentou-se num ramo a reflectir na existência parece claramente um filme de festival. Roy Andersson, que recebeu com ele o Leão de Ouro em Veneza, parece ter concordado com os elogios de que Songs from the second floor foi alvo no início da década passada e resolveu repetir as doses. Era a primeira parte da trilogia que este filme agora conclui. E o que encontramos de novo ou entusiasmante neste último filme?
Infelizmente, Andersson desenvolveu uma estética e petrificou-a. É uma fórmula, já cansativa quando o primeiro filme acabava, que aqui se retoma. É interessante a forma como o realizador filma os espaços: profundidade de campo, personagens espalhadas, cada uma com as suas acções, mas relativamente quietas todas elas. A atenção do espectador pode vaguear pelo cenário, mas acaba por se focar quando os protagonistas de cada cena se movimentam e dialogam (embora pouco). São quadros que ganham vida, ideia que fica acentuada pelas cores pastel, pelas inspirações hopperianas dos cenários, pela maquilhagem (e características físicas icónicas dos protagonistas de cada miniatura), pela disposição dos objectos no espaço.
O que desilude é o facto de não existir nada para lá do cartão. Para além da rigidez da imaginação visual (que a determinado momento acaba por roçar o mau gosto), temos a ausência de ideias.
É uma obra sobre o absurdo da existência, o que se entrevê logo no título e que o realizador faz questão de sublinhar antes do filme começar, ao referir que se trata da terceira parte de uma trilogia “sobre o que é ser-se ser humano” (é possível ser-se mais vago?). Mas o que tem de interessante o realizador a dizer sobre isto? Ou a mostrar? Três ou quatro ideias, pouco originais, repetidas várias vezes ao longo do filme: uma melancolia tingida de cinismo, complexos de culpa com a História, zanga metafísica com a fragilidade humana. Humor sem compaixão pelos seres que retrata, antes um desapego colorido e umas palmadinhas nas costas.
As personagens em que o filme se ancora, dois fracassados, vendedores de máscaras e brinquedos de carnaval, podiam ser motivo de algum interesse e de uma comicidade que o filme desbarata com a sua falta de imaginação (e de empatia). Momentos de surrealismo, como a invasão de um exército de Carlos XII da Suécia a um bar (no presente), perdem-se quando a duração vai para lá do desejado e depois encontramos ideias sofríveis, como na cena em que escravos entram dentro de um cilindro gigante, debaixo do qual homens com uma farda do tipo colonial acendem o fogo, obrigando os pés dos presos a mexer e a fazer o cilindro rodar, “espectáculo” ao qual vem assistir, champanhe na mão, um grupo de indivíduos ricos e decadentes.
Não há grande diferença entre a preguiça dos mais recentes blockbusters e este grande soufflé de autor.

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