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Festival de paradoxos

Texto: RUI ALVES DE SOUSA

Ao contrário do que se poderia esperar, o quinto filme da saga Exterminador não se baseia apenas no espetáculo visual pirotécnico. E faz uma curiosa ressurreição da personagem mais famosa de Arnold Schwarzenegger.

É um dos blockbusters mais estimados dos anos 80, e deu origem a uma sequela superior, no princípio da década seguinte. Ambos os filmes foram assinados por James Cameron, que ali introduziu uma série de ideias e inovações técnicas que revolucionaram o cinema de ação. O paradigma do divertimento hollywoodesco deixou, há muito, de passar pelos contornos destas obras, e por isso é que O Exterminador Implacável resistiu tão bem ao tempo: porque consegue ainda impressionar pelas imagens e narrativa tanto na história original como na seguinte, e porque não utiliza, ao contrário do que é habitual na atualidade (devido à preguiça dos grandes estúdios… e do público), os efeitos visuais como método primordial de cinema.

Mas como é tradição, Hollywood aproveitou, de todas as maneiras possíveis, o sucesso da personagem para “sugar”, a partir dela, o maior lucro possível. E por isso, quando já passaram mais de 30 anos desde a estreia do filme inicial, todas as manobras de marketing já foram aplicadas às personagens e histórias de Cameron: desde todo e qualquer tipo de merchandising (máscaras, T-shirts, videojogos e tudo o mais), até às tentativas frustradas de copiar a fórmula de sucesso do díptico de Cameron (que passaram por duas novas sequelas menos felizes, e uma série televisiva dedicada a Sarah Connor, igualmente dispensável).

E é essa razão que explica porque é que este quinto título na saga começou por ser visto com maus olhos pelos seus fãs e crítica. Promovido desde o início como uma espécie de regresso aos bons velhos tempos de Cameron, as dúvidas aumentaram – e o ceticismo também, à medida que se foram divulgando trailers, clips, teasers e outros materiais promocionais. Esses spots começaram por revelar alguns pontos surpreendentes da intriga desta sequela, como também a demonstrar o aspeto grotesco e banal de grande parte dos efeitos especiais.

Tal como outros remakes e reboots da era moderna, estava em causa se a sequela ia, ou não, danificar o legado dos dois primeiros filmes, ao reinventar, com novos meios digitais e complexos, essa história inesquecível. E como poderia Arnold Schwarzenegger regressar a um universo que não se coaduna com a infantilidade da maioria do atual cinema de ação, tosco e desinspirado, que domina o mercado do cinema comercial? Ou pior ainda: como é que se consegue recuperar a alma de O Exterminador Implacável e O Exterminador Implacável 2: O Dia do Julgamento, numa era em que a relação entre o cinema e o público se encontra sob constantes transformações, e em que as máquinas já não parecem ser tão assustadoras (porque elas fazem cada vez mais parte do nosso quotidiano)?

Exterminador: Genisys pode não dar as melhores respostas, não conseguindo superar ou, mesmo, igualar o impacte desses dois filmes de Cameron. No entanto, o realizador Alan Taylor conseguiu desenvolver um outro caminho para o confronto entre o Homem e a Máquina – tornando a premissa original ainda mais alarmante para os tempos tecnológicos que estamos a viver. Confrontando o poder das máquinas (e da internet) na vida moderna com o domínio da Skynet (a empresa que, num futuro “não muito distante”, dominará a terra e destruirá uma boa parte da humanidade), é construído um filme empolgante que, por mais defeitos que tenha, consegue dar aquilo que muitas produções contemporâneas mainstream já nem querem fornecer: momentos de verdadeiro entretenimento.

É um filme que cumpre um papel semelhante ao de Regresso ao Futuro 2. Mas há um menor cuidado estético e temporal na utilização das situações, que vão alterando e eliminando segmentos da cronologia original – ou seja, a do primeiro filme, em que um exterminador vem do futuro, comandado pela Skynet, para matar Sarah Connor. Revisitamos cenas icónicas desse filme que seguem um rumo inesperado, e uma nova história desenvolve-se, apagando tudo o que conhecíamos até então da saga. Muitas questões são levantadas pela história, e a maioria delas fica por responder. E para um franchise que vive de paradoxos temporais (especialmente no díptico original), aqui somos servidos com uma bela quantidade de incongruências – e algumas serão resolvidas de uma maneira acutilante.

James Cameron foi “utilizado” pela Paramount para promover este filme, caucionando esta sequela ao afirmar que é este o verdadeiro “terceiro volume” das peripécias de Schwarzenegger e companhia. Entendem-se as razões apontadas pelo realizador depois do filme ser visto, mas mesmo assim, Extreminador Genisys sofre por incluir, na sua estrutura, muitos dos males dos blockbusters modernos: uma utilização excessiva e pateta do CGI, clichés emocionais e muitos buracos no desenvolvimento da história, assim como alguma seriedade escusada no tratamento da narrativa. Mas o humor das personagens (e de Schwarzenegger em particular), o engenho de algumas ideias de argumento, e o espírito de grande aventura clássica que conseguimos encontrar nesta sequela, conseguem salvar o filme de ser um desastre igual ao das duas sequelas que o antecederam.

Este é um filme que surpreende pelo divertimento, trazendo algum espírito que, até agora, tinha desaparecido na saga. É não só uma boa homenagem a Cameron, como também uma reciclagem de elementos deste mundo cibernético e apocalítico que, até agora, tínhamos dado como adquiridos. Não sabemos, de momento, qual será a base dos dois próximos filmes da saga (porque este é o início de uma nova trilogia). No entanto, podemos dizer, com toda a certeza, que esta recriação poderia ter resultado em algo bem pior do que aquilo que nos é possível contemplar, a partir de hoje, nos cinemas. E que apesar das fraquezas visuais e narrativas, Exterminador: Genisys é a primeira boa reinvenção pós-Cameron do universo da série.

Exterminador Genisys
Realizador: Alan Taylor
Elenco: Arnold Schwarzenegger, Emilia Clarke, Jason Clarke, Jai Courtney, J. K. Simmons
Distribuidora: NOS Audiovisuais
3 / 5

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