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As estações, segundo Gidon Kremer

Texto: NUNO GALOPIM

Brilhantemente interpretadas por Gidon Kremer e a Kremerata Baltica, obras de Philip Glass, Arvo Pärt, Gyia Kancheli e Shigeru Umebayashi fazem do alinhamento de “New Seasons” um título obrigatório para conhecer alguma da melhor música orquestral do nosso tempo.

No texto que assina no booklet deste seu novo disco, o violinista Gidon Kremer começa por explicar o conceito temático que define New Seasons, frisando desde logo como a ideia de “estação” integra a nossa cultura e linguagem como forma de expressar ou refletir sobre a passagem do tempo. E lembra que tem um particular fascínio por esta ideia, talvez até porque entre as suas primeiras gravações conta-se uma interpretação de As Quatro Estações, de Vivaldi, sob direção de Claudio Abbado, valendo a pena recordar ainda que entre a sua obra em disco encontramos as Eight Seasons que combinam Vivaldi com Piazzolla, as Russian Seasons de Desnyatnikov e Raskatov ou que, a dada altura, ando em digressão com o programa Seasons Forever. Ao juntar obras de Philip Glass, Arvo Pärt, Gyia Kanchelli e Umebayashi, o letão Gidon Kremert, juntamente com a Kremerata Baltica que fundou há duas décadas, juntam mais um título a esta série de retratos sobre a regularidade do tempo que passa.

Ao escolher estes compositores reforça um interesse por formas contemporâneas em franca rutura com escolas que marcaram muita da música da segunda metade do século XX, numa opção que foca o emocional em detrimento do unicamente intelectual. Firme, como tantos grandes músicos do presente, no recentrar de opções na tonalidade, deixa claro que não procura uma música feita de músicos apenas para músicos. De resto cita mesmo Shnittke, que disse uma vez que a “música não é escrita para músicos”.

A presença de figuras com obra marcante entre o grande espaço do minimalismo e suas periferias não significa, como ele ainda explica, que este universo represente o único no qual um reencontro com a tonalidade é evidente. É nos sentidos de transparência e economia de elementos destas obras que justifica as escolhas apontando numa comparação com uma ideia de Rodin, que afirmou que ao esculpir pegava num bloco de mármore e o que fazia era tirar a parte de que não precisava, a busca de uma concentração de atenções na substância que as obras revelam.

O grande destaque do alinhamento cabe ao Concerto para Violino Nº 2 de Philip Glass, que tem como subtítulo The American Four Seasons. Kremer, que há alguns anos gravou com a Kremerata Baltica, e também para a Deutsche Grammophon, uma interpretação do Concerto Para Violino nº 1 de Glass, revela aqui, numa brilhante leitura, o grau de liberdade de uma música que, mesmo com contrafortes assentes numa linguagem vincada, segue hoje pistas que transcendem quer o minimalismo quer as manifestações das suas heranças diretas que caracterizou o despertar de uma obra sinfónica e concertante em Glass nos anos 90. Estamos aqui num patamar de busca mais lírica, que explora espaços que são do presente mas ecoam a um sentido de herança do romantismo que, devidamente assimilado e sem abafar a “voz” autoral do compositor, demonstram quão viva e distante de uma ideia de piloto-automático está a sua composição meio século depois das experiências com Ravi Shankar que lhe permitiram encontrar um caminho.

Ao concerto de Glass este novo disco de Gidon Kremer acrescenta ainda a curta peça coral Estonian Lullaby de Pärt, Ex Contrari de Guya Kancheli e Yumeji’s Theme, um dos momentos da banda sonora que Shigeru Umebayashi compôs para o filme Disponível para Amar, de Wong Kar Wai.

O álbum New Seasons, de Gidon Kremer, acompanhado pela Kremerata Baltica, está editado em CD pela Deutsche Grammophon/Universal. Está também disponível nas plataformas digitais de streaming e dowload.

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