A história da “despromoção” de Plutão
Texto: NUNO GALOPIM
Estamos a um dia da chegada da sonda New Horizons ao ponto de maior aproximação da sua viagem até Plutão. Após nove anos de percurso a sonda da Nasa permitirá responder a muitas questões e estabelecer um primeiro retrato não apenas visual, mas também feito de dados científicos entretanto colhidos, de um pequeno mundo que, durante 76, foi um planeta, tendo uma reunião da International Astronomical Union (IAU) em Praga em 2006 resolvido retirar-lhe o estatuto, encarando-o desde então como um planeta-anão.
Esta é, antes mesmo da chegada da New Horizons, uma história que desde já podemos contar. E coube a Neil DeGrasse-Tyson – que muitos poderão ter entretanto descoberto quando apresentou a mais rente série Cosmos – a escrita de um volume que, cruzando dados científicos, com ecos do que se afirmou na imprensa e algum bom humor, o papel de arrumar o “caso Plutão” como assunto de narrativa arrumada em The Pluto Files, livro que a Norton recentemente devolveu aos escaparates. Se há quem cientificamente conteste ainda a “despromoção” e, emotivamente, haja também quem não goste da ideia de ver o único “planeta” achado no século XX (e na verdade o único encontrado por um americano) ser destituído do estatuto e lugar que conquistou , a verdade é que em The Pluto Files o autor tem em conta as várias vozes e opiniões que o “caso” levantou.
Desde logo ele deixa claro que foi desde cedo um dos defensores da “despromoção” e que, quando assumiu o comando dos destinos do Rose Center For Earth and Space – longe ainda da reunião em Praga – uma das primeiras exposições que apresentou foi uma representação à escala de elementos do sistema solar, na qual Plutão desde logo estava ausente. Neil repara como a imprensa e os primeiros visitantes deixaram passar o facto. Até que um artigo deu voz ao protesto, questionando por que é que só em Nova Iorque seria Plutão um mundo excluído do sistema solar…
Este é apenas um entre os episódios que The Pluto Files junta para contar a história de um dos mais mediáticos “casos” da astronomia do nosso tempo. O livro começa por observar o impacte de Plutão e deste “caso” na história da cultura popular, incluindo um cartoon no qual dois alienígenas – que supomos plutonianos – questionam como é que um planeta que deixa que Paris Hiltom grave um CD tem o direito de julgar o seu mundo. Ainda da exposição dos factos e da escuta das vozes a favor e contra, The Pluto Files recorda como Clyde Tombaugh descobriu Plutão em 1930 no Lowell Observatory (em Flagstaff, no Arizona), como sendo a expressão possível do Planeta X que Percival Lowell dizia existir para justificar as anomalias gravíticas que havia observado na órbita de Neptuno. E conta também como foi uma menina de 11 anos que, ao ouvir o avô relatar a descoberta de um novo planeta, lendo um jornal enquanto tomavam o pequeno almoço, quem sugeriu que lhe dessem o nome pelo qual seria depois reconhecido: Plutão.
A história do receio de um futuro incerto da classificação de Plutão como planeta começa ainda em vida de Clyde Tombaugh, que deixou registadas as suas opiniões e justificações em favor da manutenção da ordem estabelecida aquando da descoberta em 1930. Tyson mostra aqui como as opiniões se avolumaram no sentido de uma “despromoção” com a progressiva descoberta de novos corpos no espaço para além da órbita de Plutão a que entretanto se chamou Cintura de Kuiper. Um deles, Eris, é inclusivamente maior do que Plutão. Tyson observa ainda que não será tanto a invulgaridade do comportamento de Plutão com o seu maior e mais próximo satélite (Caronte), que giram como um sistema duplo estando o centro de rotação no espaço entre ambos e não no corpo do maior (como sucede com a Terra e a Lua) que juntou argumentos em favor do voto que depois teve lugar a 24 de agosto de 2006. Mais decisivo para a “despromoção” foi a nova definição de planeta que exige a resposta a três características: que esteja em óbita do Sol, com uma massa suficiente para gerar gravidade, que tenha uma forma arredondada e tenha “limpo” as vizinhanças do espaço em seu redor… E foi nesta última que a “despromoção” centrou os argumentos.
Sem esconder a posição favorável à despromoção, Tyson podia contudo não ter feito de alguns passos do livro momentos que parecem ser de resposta a alguns diferendos no passado. Mas não perde o humor nunca e recorda, por exemplo, algumas paródias surgidas em publicações humorísticas após a reunião de 2006 que apresentavam títulos de possíveis notícias na manhã do dia seguinte. Como, por exemplo, “Falta de fundos federais conduz a emagrecimento do sistema solar”, “Poderá o afastamento de Plutão ajudar os democratas a ganhar eleições? – Al Gore manda recontar os asteóides” ou “McCain garante estatuto de planeta a asteróides se for eleito”…
“The Pluto Files”
de Neil DeGrasse-Tyson
W.W. Norton & Company
ISBN 978 0 393 35036 4

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