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Jorge Jácome: “O envio da New Horizons era um desafio tão romântico como o meu filme”

O realizador da curta-metragem “Plutão” explica aqui como encontrou um fascínio por um mundo distante.

O que fascinou em Plutão para criar um filme com o seu nome?
Normalmente, as minhas ideias nascem a partir de alguma coisa muito pequena. Gosto de uma sensação a partir do qual tudo começa e que depois invade os projectos, as imagens e o som. Este projecto não nasceu de forma diferente. Tudo começou a partir de uma notícia: Plutão foi adicionado à lista de corpos menores do sistema solar pela União Astronómica Internacional e recebeu a identificação de 134340. Por outras palavras, deixou de ser o nono planeta e foi reclassificado de planeta-anão. Quando ouvi a noticia, senti uma certa tristeza relacionada com a possibilidade de não termos como certo algumas coisas da nossa vida. Decidi então criar uma ficção que tivesse essa carga melancólica, de algo que se perde e que não sabemos explicar. Quando escrevi o filme, achei que perder um amor de verão se aproximava desse sentimento.

Plutão aqui é uma metáfora. Mas não ficou de todo ausente do filme…
Não, no filme há um narrador romântico, um homem que viaja pelo espaço e que observa a terra. Fala-nos de Plutão que deixou de ser um planeta, da nostalgia e desilusão que se instalam com esta revelação. Pensei neste narrador como se ele fosse o “Major Tom” da música Space Oddity de David Bowie – alguém que apenas flutua pelo espaço, numa espécie de melancolia constante. A sua voz é acompanhada por imagens de cenários nocturnos com uma carga simbólica que nos remete para um cenário de ficção cientifica – luzes que aparecem e desaparecem como estrelas ou planetas que cintilam. Quis criar um conjunto de imagens fugazes que proporcionassem uma estranheza que contaminasse o sentido do filme.

Que trabalho de preparação sobre Plutão fizeste antes de escrever o argumento e rodar o filme?
Numa primeira fase, a metodologia consistiu na procura de imagens e sons de referência, numa troca de ideias mais livre com a Marta Simões e o David Cabecinha, com os quais desenvolvi o filme. Surgiram vídeos, fotografias, fotogramas, espaços, músicas e objectos que serviram como ponto de partida para a definição de ambientes e situações onde os sentimentos que pretendia trabalhar estivessem presentes de alguma maneira. Houve necessidade de um processo de selecção que se desenhou tendo em mente uma premissa: de que maneira é que os efeitos de um acontecimento de larga escala (o desaparecimento de Plutão) se poderiam repercutir num universo menor, no universo da intimidade. Depois comecei a interessar-me pela vida pessoal de Clyde Tombaugh. e fiquei fascinado quando descobri que ele tinha “descoberto” o planeta Plutão (a 5.763.920.000 km de distancia) com a mesma idade que eu tinha na altura que estava a realizar o filme. Todo o filme tem referências ao espaço, aos planetas, ao cosmos. Desde as imagens (que nos fazem lembrar filmes de ficção cientifica que já vimos) ou à música (com utilização da obra de Gustav Holst em homenagem aos planetas solares).

O filme mudou a tua atenção sobre esse mundo distante? Estiveste em contagem decrescente para a chegada da New Horizons?
Naturalmente depois da pesquisa que fiz e do filme estar pronto, sempre que há uma nova noticia sobre Plutão sou atraído por ela. (Além disso, os meus amigos continuam a enviar-me emails com noticias relacionada com o planeta, o que ajuda. Fiquei com um carinho especial por este antigo planeta. “Plutão”, o filme, foi o meu primeiro projecto cinematográfico depois de sair da Escola de Cinema, foi a prova que queria continuar a pensar e a desenvolver projectos meus. Plutão pode ter deixado de ser um planeta, mas vai ser para sempre o meu primeiro filme. Sempre achei que o envio da nave New Horizons era um desafio tão romântico como o meu filme. A nave dar-nos-á imagens absolutamente novas de Plutão e da Cintura de Kuiper. Criará certamente novas definições, alargando os limites do nosso conhecimento do universo e de um imaginário colectivo sobre o espaço.

Concordaste com a “despromoção” que o deixou de tratar como planeta?
Não tenho o conhecimento cientifico para avaliar a decisão. A minha posição em relação à despromoção de Plutão é meramente emocional. Apesar de compreender a necessidade e inevitabilidade da redefinição e evolução do conhecimento humano, não consigo deixar de olhar para este acontecimento com alguma tristeza. A polémica mantém-se viva e muito recentemente voltou a falar-se que afinal Plutão tem as características necessárias para ser um planeta. A discussão vai continuar, certamente (mesmo com a chegada da New Horizons).

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