As pessoas são mais estranhas do que a terra
Texto: NUNO GALOPIM
O grande interior australiano – o “outback” como lhe chamam localmente – serviu já de cenário e até mesmo força com expressão na narrativa a uma multidão de filmes nas últimas duas décadas, desde o “western” com argumento de Nick Cave em The Proposition – Escolha Mortal (John Hillcoat, 2005) ao enredo de terror de Wolf Creek (Greg McLean, 2005), passando pela evocação história de A Vedação (Philip Noyce, 2002), o enredo romântico de Uma História Japonesa de Amor (Sue Brooks, 2003) a inesperada e garrida aventura disco em Priscilla, Rainha do Deserto, (Stephen Elliott, 1994, estrado entre nós em 95) ou até mesmo o pastelão Australia (2008), de Baz Luhrman. Não será por aí que procuraríamos a novidade neste Em Terra Estranha, filme de Kim Farrant que acaba de chegar aos ecrãs nacionais. O elenco, onde se destaca a presença de Nicole Kidman (que aqui “regressa a casa”), ao lado de Hugo Weaving (um dos protagonistas de Priscilla) e Joseph Fiennes será um dos argumentos a seu favor. A ideia que serve de base ao argumento, justifica um outro.
Estamos numa pequena cidade no meio da nada, com deserto, poeira e calor por todos os lados. Um casal acaba de se mudar para ali na sequência de um caso envolvendo a filha. Tentam ajustar-se à vida na região. Mas o dia a dia ali não encaixa para todos como peças de lego, mostrando a dinâmica familiar pouca vontade de estabelecer relacionamentos que ultrapassem os quatro. No dia de uma tempestade que cobrirá a cidade de poeira e reduzirá a visibilidade a quase nada, os dois irmãos não reaparecem em casa. Hora após hora a sensação de perigo ganha forma. As buscas confirmam não só quão inóspito, quente, seco, perigoso e, sobretudo, vasto, é o espaço em volta da cidade onde poderão estar eventualmente perdidos.
O cenário lança bem a história. O argumento procura juntar então uma maior profundidade aqueles a quem o GPS não perdeu a localização, por vezes perdendo a mão nos temperos. E apesar de ser sempre bom ver Nicole Kidman fora de papéis light (e podemos lembrar quão brilhante foi já com Kubrick ou Van Sant), o progressivo desnorte que vive a personagem da mãe que interpreta alcança a dada altura um patamar excessivo que a deixa tão perdida como os filhos… A rigidez, ora implosiva ora violenta da figura do pai (Fiennes) desenha contrastes que por vezes transbordam também as necessidades de verosimilhança. Ou uma coisa ou outra ficava melhor… As cenas de casamento em modo “já era” não juntam lá muito sabor à história. E a tentativa de meter ali a martelo, mas sem consequência nem peso, alguns ecos de velhas crenças aborígenes, fica tão agarrada à narrativa como cartazes na rua se colados com cuspo… Salvam a coisa as tentativas de contenção do agente (interpretado por Weaving) e a curta mas discreta e segura presença de pequenas personagens secundárias que, como a cidade, são um quase nada por vezes quase impotente no meio de tamanha imensidão desértica.
Nota final para uma banda sonora, assinada pelo norte-americano Keefus Ciancia, antigo colaborador de T-Bone Burnett, que aqui tem, ao cabo de quase 15 anos de trabalhos para o cinema, a sua mais interessante contribuição para o grande ecrã.
“Em Terra Estranha”, de Kim Farrant, com Nicole Kidman, Hugo Weaving e Joseph Fiennes, está em exibição.

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