As Pega Monstro e o amadurecimento de “Alfarroba”
Texto: ANDRÉ LOPES
Elementos da “família” Cafetra Records, Júlia e Maria Reis traduzem, desde as suas primeiras canções, o espírito disruptivo da editora que em 2011 agitou o panorama musical português graças ao jovial ímpeto criativo do it yourself. Juntas, as únicas figuras femininas da Cafetra formam as Pega Monstro que detêm agora um repertório que inclui um EP, dois álbuns e várias canções espalhadas por compilações. Todos estes são elementos que testemunham uma criatividade originalmente errática que, enquanto banda, parecem gostar de converter em canções que pairam algures entre o frenesim do punk e as formas da pop de baixa fidelidade. Esse carisma artístico permanece para sempre imortalizado no álbum homónimo que B Fachada ajudou a masterizar em 2012.
Contudo, a chegada de Último Siso (2014) de Éme, pareceu significar uma viragem na história da Cafetra, pelo modo como estabeleceu uma nova abordagem formal às canções, nomeadamente uma produção menos caótica, agora a braços com a missão de garantir que as melodias não se deixam soterrar sob instrumentais de densidade gritante. Alfarroba parece espelhar uma preocupação semelhante com a produção das faixas, enquanto simultaneamente salvaguarda o melhor da música das Pega Monstro.
A abertura com as incisivas Braço de Ferro e Branca serve de montra para essa mesma ideia, ao mesmo tempo que proporciona um confronto com duas canções que, como dantes, continuam a socorrer-se da guitarra e da bateria para nos colocar perante as confissões de Maria Reis. Ainda que somente recorrendo na sua maioria a dois instrumentos para além da voz, estas faixas apresentam uma robustez inédita no repertório das Pega Monstro: existe músculo e existe vontade de garantir que estas melodias não se desperdiçam em viagens auto-indulgentes. O perdão é desnecessário a partir do momento em que é possível encontrar em Alfarroba um conjunto de faixas que não perde em circunstância alguma a noção de rumo, num trajeto elétrico onde a pujança punk-rock é omnipresente. Branca poderá fazer lembrar os primeiros discos dos Placebo, em que a energia punk se infiltrava tão bem nas canções pop de Brian Molko, tal como Não Consegues poderá ser exatamente aquilo a que Bethany Consentino gostaria que os Best Coast soassem quando tentou encontrar no shoegaze uma ferramenta de trabalho.
És Tudo o que Eu Queria, a faixa em que um teclado reverberante substitui a guitarra elétrica no papel de arma principal, torna flagrante o modo como a escrita de canções das Pega Monstro é agora mais versátil, ainda que conserve a espontaneidade característica das primeiras canções da banda. Fado D’Água Fria atrai para si as atenções pelo forma como uma breve incursão de guitarra em punho ao território dos blues constitui um dos momentos mais interessantes do alinhamento deste álbum, logo após a exploração frenética de Amêndoa Amarga – a prova final de que estas irmãs conseguem ir muito além de canções de três minutos, aproveitando cada um deles da melhor forma possível, na viagem eléctrica mais estimulante que ouvimos este ano.
Alfarroba assinala assim uma nova rota para a música da Pega Monstro, que teremos todo o gosto em seguir já que encontramos neste álbum uma energia única e a vontade de ser finalmente levado a sério, que fazem do mesmo, um forte concorrente a disco de 2015.
Pega Monstro
“Alfarroba”
Upset the Rythm

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