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O jardim sou eu

Texto: NUNO GALOPIM

O mundo de Versalhes volta ao cinema em “Nos Jardins do Rei”, filme de Alan Rickman que centra atenções na construção – e nos construtores – dos jardins do palácio.

A construção de uma das estruturas nos jardins de Versalhes, por alturas da mudança da corte para o novo palácio, serve de centro de gravidade para o segundo filme realizador por Alan Rickman que, além das ordens dadas por detrás da câmara, veste também aqui a pele do rei Luís XIV. Ele mesmo chegou a gracejar com o facto de, no fundo, não ter de mudar muito a atitude estando numa ou noutra situação durante a rodagem, notando que as ordens dadas por um rei se assemelhariam até às de um realizador, sugerindo mesmo que o Rei Sol teria sido um bom cineasta…

Os verdadeiros protagonistas de A Little Chaos – que entre nós foi apresentado como Nos Jardins do Rei – são contudo dois jardineiros. Por um lado Le Nôtre (aqui interpretado por Mathias Shoenaerts), o reconhecido autor da visão paisagista que idealizou (entre outros) os jardins de Versalhes. Por outro entra aqui em cena a figura de ficção de Mme de Barra (Kate Winslet), uma viúva cuja história vai sendo revelada em sucessivos mergulhos nas suas memórias e a quem Le Nôtre confia a construção de uma sala de baile ao ar livre, mesmo ciente de que nela há uma alma renovadora, desejosa de ir para além da ordem geométrica mais rígida que o mestre paisagista e o próprio rei tinham definido como a norma. O título do filme sugere isso mesmo. E durante a etapa em que a trama é lançada o debate de ideias entre o geometrismo mais rigoroso e o “caos” que brota da liberdade da própria natureza, entre as suas formas e cores, chega mesmo a ser a medula central dos debates em curso.

O filme avança porém para lá desse debate de ideias, começando por juntar apontamentos da vida palaciana na linha clássica das recriações de época à inglesa, aqui com Stanley Trucci a brilhar no papel do Duque de Orleães em sequências sugerindo passagens pelo Louvre ou Fontainebleau (apesar de todas elas rodadas no Reino Unido). E desviando depois o foco das atenções do jardim e do pensamento sobre a noção de ordem pra uma trama amorosa que, mesmo sem afogar o filme, acaba por desviar o seu curso.

Com um elenco notável e uma cuidada recriação de época – sobretudo nos décors (alguns deles de Versalhes em obras) e figurinos – Nos Jardins do Rei, mesmo não repetindo o fulgor do olhar desafiante de Sofia Coppola em Marie Antoinette nem traduzindo a busca de um ponto de vista diferente como o que – através do plano das criadas – Benoît Jacquot nos deu a ver em Adeus, Minha Rainha, representa mais uma interessante achega à história das representações da vida cortesã de Versalhes.

Dezassete anos após The Winter Guest, a segunda experiência na realização de Alan Rickman mesmo não sendo brilhante é segura e capaz. Pena que a história não tenha sabido integrar mais profundamente (sem a transformar num debate académico) a questão filosófica que lança como título, debatendo sobretudo a noção de como o pensamento e a ação humana devem ou não impor uma ordem sobre a natureza. E se esqueça de conceder maior protagonismo ao projeto da cascata que vemos nascer, que ainda hoje sobrevive nos jardins de Versalhes conhecida como La Salle de Bal, contando com elementos trazidos na época de praias do Índico.

“Nos Jardins do Rei” está editado em DVD pela Prisvídeo.

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