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John Waters e as heranças da cultura ‘trash’

Texto: NUNO GALOPIM

Uma extensa entrevista com o realizador norte-americano John Waters abre na edição mais recente da revista britânica “Sight and Sound” um destaque dedicado ao universo do cinema “trash”.

Convenhamos que não faltam nunca motivos para cativar a nossa atenção sobre cada nova edição da revista Sight + Sound. Produzida pelo BFI – ou seja, o British Film Institute – naquela que talvez represente a melhor proposta de comunicação e reflexão sobre o cinema criada por um organismo do género, é uma publicação de referência a quem, de resto, cabe a “honra” de definir aquela lista votada a cada dez anos que, entre cineastas, jornalistas e demais figuras ligadas ao meio, define uma espécie de “cânone” de referência sobre os melhores filmes de todos os tempos, a mais recente tendo dado brado ao levar ao primeiro lugar Vertigo de Hitchcock (entre nós A Mulher Que Viveu Duas Vezes, título com ar de spoiler, mas enfim…), posto que, durante algum tempo, fora posto assegurado pelo também clássico O Mundo a Seus Pés de Orson Welles.

O mais recente número da Sight + Sound é uma magnífica expressão de uma forma de estar perante o cinema que não teme franjas, minorias e cultos distantes desse “cânone”. E ao dar capa a John Waters garante um dos mais mediáticos momentos de abordagem ao cineasta norte-americano e aos universos do cinema trash que a sua obra ajudou a construir.
Uma extensa entrevista de seis páginas abre o destaque, com o humor incontornável do realizador a pontuar a conversa que cruza episódios centrais da sua filmografia, recorda inevitavelmente a figura de Divine, não esquecendo Tab Hunter (em Polyester), Kathleen Turner (em Serial Mom) ou Johnny Depp (Cry-Baby). A música no cinema de Waters, a sua relação com outras formas da cultura popular e a série de retrospetivas que têm devolvido a salas do mundo inteiro os seus filmes são ainda tema de conversa. E sobre esta profusão de ciclos – que , de facto se têm estendido desde o Lincoln Center ao Queer Lisboa – ele mesmo comenta: “a minha respeitabilidade internacional é espantosa, não é?”…

Como complemento à entrevista com John Waters a revista inclui um panorama do cinema trash, bem ilustrado com stills de filmes e cartazes e, sendo esta uma publicação inglesa, não falta no fim um olhar sobre este género no Reino Unido, não faltando uma referência (e ainda por cima com foto), ao espantosamente mau, mas delicioso, The Devil Girl From Mars (1954), de David MacDonald, um clássico maior da história do cinema… marciano.

Para além de John Waters e do cinema trash esta edição tem ainda entre os seus features centrais uma entrevista com Andrew Haigh – o realizador de Weekend – a propósito de 45 Years, o seu mais recente filme, e um artigo sobre Hard to Be a God, de Aleksei German, adaptado de um romance de 1964 dos irmãos Stugatsky, e que representa um importante episódio na história da ficção científica russa.

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