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Miley Cyrus e os Flaming Lips num caleidoscópio ficcional

Texto: ANDRÉ LOPES

Com o quinto disco de originais, a artista que se tornou conhecida ao figurar na programação do Disney Channel, conseguiu um dos lançamentos mais invulgares da estação quente deste ano.

Sendo uma figura que não necessita de grandes apresentações, tanto pelo seu aceso percurso mediático como pelo álbum Bangerz (2013) e a infecciosidade de canções como We Can’t Stop ou Wrecking Ball, Miley Cyrus está no centro de um dos mais interessantes esforços colaborativos editados este ano. Aliando-se a nomes como Mike Will Made It (que assegurou a produção das canções mais ritmadas de Bangerz) ou Oren Yoel, a surpresa maior não surgirá associada a esses mesmos elementos conhecidos por desenvolverem trabalho próximos do hip hop, mas sim pela presença invulgar dos The Flaming Lips em 14 das 23 faixas que perfazem Miley Cyrus & her Dead Petz, quer na escrita das canções quer na sua produção.

Uma amizade que terá surgido algures ao longo de 2014, ano em que a banda mais producente do Oklahoma editava With a Little Help from My Fwend – um repensar do icónico Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (1967) dos Beatles – ao qual Miley emprestara a voz para Lucy in the Sky with Diamonds e A Day in the Life. No restante alinhamento encontramos nomes como Foxygen, Julianna Barwick ou Maynard James Keenan, fazendo-se assim denotar alguma afinidade da ex-estrela Disney para com a musicalidade associada ao psicadelismo e também com universo da música alternativa atual. Miley Cyrus & her Dead Petz consuma esse interesse, ao longo de mais de 90 minutos de música que oscila entre o polo do descomprometimento máximo e o da noção híper-consciente de si própria.

Dooo It! é a primeira faixa do disco, a partir da qual se deixa bem assente o tom informal que todo este conjunto pretende ter: uma ode descomplexada ao consumo de estupefacientes que mais tarde dá lugar a uma série de homenagens aos animais de estimação que acompanharam Miley Cyrus ao longo da sua vivência. E se o alinhamento tem início de forma vincadamente percussiva, com o melhor hip hop que que uma banda de rock realmente alternativo poderia criar, as restantes faixas perpetuam a ideia de que este é um álbum acima de tudo centrado na ideia de liberdade e ausência de restrições. O plano de fundo que encontrávamos nos The Flaming Lips em Yoshimi Battles the Pink Robots (2002) é aqui recuperado por via de eletrónicas e ritmos que inserem as melodias vocais num enquadramento maioritariamente downbeat que procura definir um ambiente total para o álbum e não a criação de faixas que se destaquem individualmente. Na verdade, apesar da folia visual que acompanhou o seu lançamento, Miley Cyrus & her Dead Petz deixa-se enamorar pela melancolia, enquanto simultaneamente cruza, canção após canção, o registo de um tal psicadelismo domado (dominado?) que habita com regularidade as composições da banda de Wayne Coyne. Karen Don’t Be Sad, The Floyd Song (Sunrise) ou Cyrus Skies são faixas que, sem equívocos, poderiam figurar num disco dos Flaming Lips… que tivesse o saudosismo ou a autorreferenciação como linhas condutoras.

Felizmente, este não é um álbum talhado para anunciar Miley Cyrus como a nova estrela da psicadélica contemporânea, até porque este é um disco pouco interessado em conclusões rígidas – Fweaky e Bang Me Box recontextualizam sonoridades previamente exploradas pela artista – e por isso, qualquer agenda psicadélica que se queira apontar a Miley Cyrus & her Dead Petz só poderá ser encarada como pretensiosismo a partir do momento em que não se circunscreva à experiência de audição do disco na sua totalidade. Isto porque no plano do conteúdo, nada aqui é revivalista: a vertigem real e colorida surge sim, quando se contempla a longa viagem de um alinhamento onde cabem baladas para sintetizadores, interlúdios risíveis e variantes quase artesanais de maquetes floydianas (Tiger Dreams com a participação de Ariel Pink).

Este será então um álbum que serve como ensaio garrido sobre a liberdade, ou como um manual de instruções para que, na condição de estrela pop em processo de êxodo face ao estatuto banal, se defraudarem expectativas, questionem preconceitos e enfim, se experimente.

Miley Cyrus
“Miley Cyrus & her Dead Petz”
Smiley Miley Inc.
3/5

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