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Caminhos urbanos num palco lisboeta

Teve início na passada quinta-feira mais uma edição do Jameson Urban Routes. Fomos tentar perceber se a coexistência das “novas tendências da música moderna e urbana” continua a existir por aqui, com destaque para as atuações mais singulares.

Foto: Alípio Padilha

Dia 22
Escasseavam os minutos para a hora marcada do concerto das Pega Monstro e a fila para entrar no Musicbox era ainda extensa. A primeira noite do Jameson Urban Routes 2015 era de entrada gratuita, algo que terá jogado a favor da banda das irmãs Reis, que assim se fizeram apresentar perante uma sala cheia de fãs e curiosos. Alfarroba continua a ser um dos discos mais notáveis deste ano, muito graças ao equilíbrio que Júlia e Maria conseguiram encontrar entre uma sonoridade melódica mais cuidada e os já característicos ímpetos tempestuosos da baixa-fidelidade. No palco, as coisas não correm da mesma forma. O alinhamento abre com Branca e Braço de Ferro: as vozes estão totalmente naufragadas na mais furiosa agressividade punk, onde a densidade das guitarras prevalece sobre as sensibilidades sónicas que estas canções têm na sua versão de estúdio.

Não é um panorama que agrade a todos os presentes, com algumas pessoas a abandonarem a sala. Contudo, esta relação das Pega Monstro com o ruído existe desde início, e é precisamente esse o elemento que as tornou num foco de interesse em primeiro lugar – é com isso que os seus fãs contam. Estrada e Volta Pra Trás deram azo às expressões mais energéticas por parte do público, e Amêndoa Amarga continua (tal como no álbum) a ser uma viagem indecisa pelo punk e pelo shoegaze, com tanto efeito de reverberação na guitarra como nas vozes. Foi a isto que nos trouxe aqui, e saímos satisfeitos. – A.L.

Dia 23
Para o segundo dia estava marcado o reencontro das Telapathe com o público lisboeta, depois de terem tocado na Galeria Zé dos Bois em 2009, bem como o lançamento do álbum de estreia dos portugueses Holy Nothings e ainda o regresso, agora em formato DJ set, de El Guincho. Depois de uma reduzida digressão em 2009/2010 tendo como mote Dance Mother, Busy Gangnes e Melissa Livaudais ausentaram-se temporariamente dos palcos. O mais recente Destroyer, com a produção de David Sitek, dos TV on The Radio, contém em si uma versão mais polida do que são as Telepathe, repescando singles, como Drown Around Me ou a faixa-título.

Passava pouco das 23.30 quando Gangnes lançava as primeiras notas de Hyper Ho e rapidamente se percebeu que a noite iria prosseguir dançável. Slow Learner, a terceira canção do alinhamento maioritariamente focado no novo registo, permitiu ao público soltar-se um pouco mais. “We’re Telepathe (pronuncia-se “telepathy”). Obrigado por terem vindo” agradece Melissa Livaudais, com um sotaque português brasileiro, visivelmente tímida. Sentiu-se que pertencem a um grupo de artistas que não compreendem a sua fama galopante. Nunca tiveram esse objetivo mas agora, perante as salas onde actuam em todo o mundo, tiram proveito da oportunidade

Night Spells, uma das poucas baladas, iluminou a sala lisboeta de tons azuis invocando uma nostalgia que está presente nas suas letras. Em palco, as Telepathe ficam-se pela sua zona de conforto, onde não há muito espaço para o improviso, não contribuindo esse pormenor para uma prestação memorável, ficando muito aquém das expectativas. Drown Around Me definiu bem que era altura de partir e encerrar esta primeira parte da segunda noite do Jameson Urban Routes, que ainda contou com El Guincho e com o clubbing cunhado pela muito activa Príncipe Discos. – F.G.S.

Dia 24
Casa cheia e aviso à porta: “Durante a atuação dos PAUS, vão ser realizadas filmagens”. Depois de uma curta digressão em França, a banda voltou a Lisboa num momento em que se começa a antecipar o próximo disco. Nesta noite, antes dos PAUS cumprirem as expectativas do público ansioso pelo habitual rock ora progressivo ora quase psicadélico, subiu ao palco Inga Copeland que encheu a sala com um jogo complexo entre graves profundos e um sentido peculiar de percussão e melodia que lembram Oneohtrix Point Never. Em ambos os projetos, a irregularidade rítmica faz uma sabotagem a faixas que quase seriam dançáveis, não fosse pelo espírito disruptivo que se fez sentir.

Munida de um arsenal de eletrónicas que muitas vezes se manteve oculto, Igna Copeland foi capaz de assegurar uma atuação que subscreve a premissa segundo a qual a eletrónica e a música de dança podem conviver de forma inventiva, longe de ritmos reciclados, e onde a melodia, mais do que guia principal das faixas, pode também ela ser trabalhada livremente.

Foi a busca desse mesmo espírito inventivo que nos fez ficar para ouvir Andy Stott. Autor de um dos discos mais notáveis de 2014, Faith in Strangers alcança de forma impressionante um patamar raro de afinidade entre uma vertente mais ambiente da música techno e uma forma de escrita de canções bastante próxima de dinâmicas da música industrial. Contudo, nesta noite, Andy Stott optou por facilitar com uma escolha de faixas que exploraram trajectos mais dançáveis face ao que conhecemos dos seus registos em longa-duração. Aqui em regime próximo de um techhouse soturno, Andy Stott fez o suficiente para conquistar uma plateia que, já na reta final da atuação, foi presentada com a faixa título de Faith in Strangers. Para trás ficaram as expectativas de que este fosse um momento de subversão de um espaço club em prole de momentos mais inventivos. – A.L.

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