Os filmes do Leffest 2015
Texto: DIOGO SENO
“La Academia de las Musas”, de José Luís Guerín
Um experimento com a palavra, tanto, ou mais, do que com a imagem. O filme de Guerín, filmado num digital impolido, é uma obra à flor da pele, urgente, sobre o desejo e particularmente sobre a sua relação com as palavras e as ideias.
Um professor de Filologia em discussão (em “jogo”) com as suas alunas, e com a sua mulher, a propósito de uma cadeira/projecto, “Academia das Musas”, que pretende devolver à poesia clássica, particularmente a de Dante, e às musas, a capacidade de inspirar e enquadrar as nossas relações com o amor e a morte.
Os caminhos desta ficção que parece um documentário são sinuosos mas elegantes. A partir do confronto entre os actores, em verdadeiras guerras de argumentação, a partir dessa negociação, vemos personagens a surgir. Fazer aparecer personagens a partir da palavra (como se estivéssemos num filme de Rohmer) é um dos aspectos mais fascinantes deste filme. E é excitante seguir as discussões sobre a diferença entre o desejo, paixão e amor, sobre as palavras, a poesia, a música, entre estas personagens e ver a surgir, na fronteira entre ficção e documentário, um objecto fascinante de cinema, provocador, novo e necessário.
“El Apóstata”, de Federico Veiroj
Gonzalo não concorda com os rituais e as ideias defendidas pela igreja católica que o baptizou. Decide então apostatar, cortar relações com essa mesma igreja, espoletando um processo burocrático que o fará confrontar com as suas escolhas de vida, os seus vícios e as expectativas daqueles que o rodeiam. Retrato de uma certa idade adulta perdida, El Apóstata tem cunho autobiográfico: o argumento baseia-se numa experiência similar do actor-protagonista Álvaro Ogallo (que assina com o realizador a escrita do filme). Curiosamente, e apesar desta dimensão pessoal, o filme parece bastante impessoal e desinspirado. Não funcionando nem como retrato do protagonista que decide adiar a “vida adulta”, nem como sátira da pertença a um “grupo” (não parece ser objectivo da obra ser uma crítica à igreja católica, muito menos à religião), vai alternando entre curiosas interacções de Gonzalo com os representantes da Igreja ou com os seus familiares e amigos e cenas mais oníricas que não só sabem a déja-vu como pouco contribuem para a força da sátira. De notar, contudo, um interessante uso da música clássica na banda-sonora.
“Journey to the Shore”, de Kiyoshi Kurosawa
Mizuki, professora de piano, é visitada, sem aviso, num dia banal, pelo seu marido, desaparecido três anos antes. Yusuke conta-lhe que está morto e decide-se a levá-la aos sítios que visitou desde a sua morte, até voltar a casa. Esta viagem leva-os a reencontrar as pessoas e os fantasmas que o ajudaram.
Road movie de reconciliação, uma história de fantasmas, um drama intimista, por vezes, outras exageradamente romântico. Definir Journey to the Shore é difícil, sobretudo pela maneira natural e sem esforço com que Kurosawa alterna entre registos.
Mais difícil ainda é explicar a mestria com que o realizador confunde o mundo dos mortos com o dos vivos. Longe das convenções narrativas deste tipo de história, as “regras” por trás desta convivência são em tudo misteriosas. Esse lado é contíguo, convive com “este” e é encenado com uma elegância cinematográfica invulgar. Gradações na luz, elegantes movimentos de câmara ou cortes fluídos instalam os fantasmas na realidade, lado a lado com vivos.
O que este “naturalismo” do sobrenatural permite é um retrato comovente e sóbrio sobre a dor da perda.
Contudo, essa sobriedade vai enfraquecendo ao longo do filme. O encontro com o primeiro fantasma é emocionante, discreto e culmina numa das imagens mais belas do filme. Sem querer estragar a surpresa, diga-se que a imagem da parede de um quarto repleta de flores de papel recortadas, de variadas cores, se torna o símbolo de uma aceitação triste dos erros que cometemos em vida e da transitoriedade desta…
E se o segundo encontro possui uma não menos emocionante reconciliação entre fantasmas e vivos ao som de uma aula de piano, começa aqui a sentir-se que o filme está perder o rumo e a repetir ideias e motivos, ficando sem fôlego.
Uma utilização anacrónica, abertamente melodramática, da música, suscita a ideia de que Kurosawa é um longínquo herdeiro, com uma sensibilidade muito peculiar, do cinema clássico americano.
“Peace to us in our dreams”, de Sharunas Bartas
O filme de Sharunas Bartas parece funcionar por hipnose. O feitiço não funciona desde o início, encontramo-nos, e às personagens, perdidos no que fica por dizer. Mas os planos longos, muitos fixos, os close-ups sobre as faces, os planos de uma natureza encantatória e impassível aos tumultos humanos que decorrem no ecrã criam um estado de transe que deixa as imagens e as (poucas) palavras a pairar na memória para além do término da obra.
As personagens encontram-se errantes, incapazes de comunicar, de se expressar. Este bloqueio é retratado pelos actores de forma despojada, longe do artifício. Talvez seja por isso que, quando o realizador, actor no seu próprio filme, fala para a sua filha na trama (e também na vida real), o efeito seja de choque. Através do despojamento, da perturbante mas terrivelmente humana lucidez do pai, que parece Bartas a falar de si, chega-se a palavras de uma sinceridade que, filmadas de outra forma, noutras mãos, soariam a platitudes. Mas não aqui. Neste cenário idílico e primordial, de uma sala fracamente iluminada, ou dum jardim onde o vento abana levemente as folhas das árvores, estas palavras são irredutíveis, uma luz vinda de bem fundo.
“Te Prometo Anarquia”, Julio Hernández Cordon
Dois adolescentes, Miguel e Johnny, amigos e amantes ocasionais, andam de skate e traficam sangue. Uma história de vampiros? Sim, o filme parece sugerir isso. Em primeiro lugar, temos as cenas de sexo filtradas a vermelho, depois temos o fio que o protagonista usa ao peito, que parece uma dentadura humana, mas mais afiada. Mas esta história de vampiros é a de um México corrupto, em que a geração mais jovem se vê empurrada para a clandestinidade e habitua-se desde cedo a trabalhar, directa ou indirectamente, para alimentar o narcotráfico. Uma sociedade inteira “a sangrar” por essa actividade ilegal, que corrói todo o país e todas as relações, a “drena” de sangue (vida). E a imagem de jovens e velhos a embarcar numa carrinha para se dirigirem ao sítio onde o seu sangue vai ser recolhido e comprado concretiza a metáfora.
No entanto, o realizador não esgota as suas ideias na metáfora e ancora esta reflexão na turbulência de um amor “em fuga”. Os recursos estilísticos da obra já vimos noutros cineastas e noutros filmes da “adolescência marginal” mas ganha aqui uma interessante vida pelo olhar quase documental e sobretudo pela atenção à linguagem das personagens.
O “calão” destes adolescentes é torrencial, de tal forma que é por vezes difícil seguir falas e diálogos. É uma linguagem viva, que pulsa, e que resgata as personagens da caricatura.
Além disto, temos a entrega a esta paixão que se consome e consome o que a rodeia, concretizada em imagens simples mas fortes: como aquela de um barco de papel a navegar (e a naufragar) nos lençóis, onde os dois amantes em fuga se abandonam à luxúria intensa de uma relação condenada.
“Room”, Lenny Abrahamson
Uma proposta arriscada: falar sobre o trauma e a relação mãe-filho, a partir de uma história de rapto e cativeiro.
Ma (Brie Larson) e Jack (Jacob Tremblay) vivem confinados a “Quarto”. A mãe inventou para o filho uma realidade alternativa, em que o quarto é o mundo, e as figuras que aparecem na televisão são extraterrestres noutro planeta. Esta “realidade” mascara o horror que mãe e filho têm de suportar. O mais interessante da primeira parte acaba por ser a adopção do ponto de vista de Jack, e a forma como se mostra que, para aquilo que conhece, o “mundo” está bem como está, e, apesar de se limitar a uns metros quadrados, é vasto como o universo. Mas esta ideia não aguenta sob a realização de Abrahamson. E muito cedo se instaura o desconforto. Escolhendo olhar completamente de soslaio o horror, o filme suaviza e sentimentaliza tudo, e trai as suas personagens. E esta “traição” é maior na segunda parte. Se a abertura ao exterior, a fuga do cativeiro, traz uns quantos minutos de emoção genuína, à medida que Jack descobre a real extensão do mundo e começa a sonhar com aquela do universo, os actores vão-se ver a braços com uma trama simplista. A personagem da mãe, interpretada com brio por Brie Larson, é posta de lado. O filme levanta questões “complexas” que logo varre para debaixo do tapete, refugiando-se no ponto de vista inocente da criança, e fazendo-a levar o empreendimento às costas. E por brilhante que seja o pequeno Jacob Tremblay, convincente em todos os momentos, uma revelação de subtileza, complexidade e genuinidade, não pode tudo, quando o realizador opta por vários momentos de sentimentalismo e um final muito pouco sóbrio.
“Trois Souvenirs de ma Jeunesse”, de Arnaud Desplechin
“Je me souviens”. “Eu lembro-me”. Assim começa o filme de Desplechin, um mergulho na memória, uma biografia sentimental da adolescência de Paul Dedalus (interpretado em adulto pelo colaborador habitual do realizador, Mathieu Amalric).
O filme, com direito a prólogo e epílogo, apresenta sobretudo três memórias, que se relacionam, e iluminam, num fôlego íntimo admirável, uma espécie de recordação da adolescência enquanto epopeia emocional. Quem lembra é um Paul adulto, confrontado com um duplo no outro lado do mundo, num momento em que começa a deixar de saber quem é. Este confronto leva Paul a recordar a sua infância na primeira memória e, de seguida, uma aventura pela URSS enquanto estudante do liceu, na companhia do seu melhor amigo. Se a infância instaura o filme no drama sussurrado, é por pouco tempo, pois a segunda memória leva-nos para o filme de espionagem. É de resto o fascínio primeiro de Desplechin, o dos artifícios narrativos, e o que dá ao seu filme um gosto decididamente romanesco. Mas não se trata apenas da “experimentação” com os géneros, da mistura de biografia com ficção, dos diálogos elaborados ou da estrutura da narrativa, mas sobretudo do sopro íntimo que passa em tudo isso.
A terceira memória, a mais longa do filme, a mais desenvolvida, para a qual as duas primeiras servem como pano de fundo (que ajuda a explicar a orgulhosa mas ferida independência de Paul), fixa Trois Souvenirs no terreno do amor adolescente. Intitulada simplesmente “Esther” (o nome da amada de Paul), é o retrato de uma relação conturbada, explosiva, febril, como essas relações podem ser. Aqui o realizador afasta-se dos clichés sobre a adolescência para criar um retrato enérgico, sobre esse período. E se esta memória se estende aos irmãos e amigos de Paul, evocando os códigos deste mundo “à parte” dos adultos, vai progressivamente desviar-se para o casal enamorado. Impedidos por razões económicas de estar frequentemente juntos (Paul estuda na faculdade em Paris, Esther continua em Roubaix, a pequena localidade onde nasceram e se conheceram) estes dois adolescentes “possuídos”, alimentam o seu amor com cartas, encontros furtivos e chamadas telefónicas. Este desencontro, filtrado pela luz dourada da melancolia, atinge momentos de tristeza e beleza tais que se espera, a qualquer momento, que as personagens comecem a cantar a sua dor, como num filme de Jacques Demy. E, se não cantam, pelo menos falam directamente para a câmara, ou dão voz às cartas que escrevem, dirigindo-se em súplica ao ser amado, num gesto de cinema desarmante porque sincero, ainda para mais quando interpretado por actores jovens e talentosos como Quentin Dolmaire e Lou Roy-Lecollinet.
Filme inspirado e emocionante sobre a memória, em Trois Souvenirs de Ma Jeunesse cada personagem, cada situação narrativa, são imbuídas do gosto pelo particular, pelo pormenor, como só um excelente cineasta, e um exímio contador de histórias, poderia criar.
“Un Chant d’Hiver”, de Otar Iosseliani
O desenho de uma porta aparece num muro de cimento e de seguida essa porta materializa-se e abre para um jardim luxuriante, saído de um sonho. É o momento mais gracioso de Un Chant d’Hiver, aquele que com maior delicadeza e magia exemplifica o cinema “de escape” à realidade que aqui se propõe. Uma estrutura episódica, um humor absurdo, personagens coloridas e cartoonescas: tudo ingredientes que já encontrámos este ano em “Um pombo sentou-se num ramo a reflectir sobre a existência”, de Roy Andersson, embora aqui com mais graça, menos afectação e um pouco mais de gravidade.
Um prólogo passado durante a Revolução Francesa mostra um nobre a ser decapitado, sem razão aparente, e a sua cabeça colecionada por uma das “espectadoras”. Uma guerra, sem território identificável, decorre num cruel e absurdo caos, como todas as guerras. E um conjunto de personagens “marginais” que habitam ou circulam num quarteirão de uma cidade levam o seu dia-a-dia com a excentricidade das personagens de um conto infantil. Os fios que unem estes três “tempos” não ficam claros. O que prevalece, antes da narrativa, dos diálogos, ou das personagens, é o absurdo, a repetição para efeito cómico, o tom brincalhão mas grave. Tudo junto não é de desmerecer, mas também não corresponde a algo admirável ou que deixe muito rasto…
“11 Minutes”, de Jerzy Skolimowski
Jerzy Skolimowski afirmou numa sessão de Q&A que se seguiu à projecção, que o filme nasceu a partir do seu final: uma imagem, de uma queda, que lhe surgiu, e para a qual ele construiu o filme à volta, ou seja, quase como de trás para a frente. A questão do método é aqui importante porque 11 Minutes trata-se, antes de mais, de um exercício de virtuosismo. Exercício de um realizador experiente, mas com um espírito jovial e desafiador. O filme conta 11 minutos na vida de um grupo de personagens, as suas movimentações e interligações, que culminarão em desastre para quase todos os envolvidos. Uma tentativa de levar ao limite o já gasto “filme mosaico” e fazê-lo implodir, mas também uma tentativa de explorar tempo e espaço de uma forma diferente, elástica.
11 Minutes avança em crescendo, mas com avanços e recuos, com repetições e variações, como numa peça musical. O prenúncio de catástrofe está bem presente, no conjunto de personagens “condenadas” que se juntam, no ponto negro no céu que algumas delas vêm, na utilização estrondosa e ameaçadora da música e do som (que parece ficar mais tenebroso à medida que o clímax se aproxima). Está também na sugestão de algo sobrenatural, com a manifestação de uma voz fantasmática, que condena duas das personagens, ou com a imagem de um fio de água a subir uma parede, como se o tempo estivesse a recuar.
As narrativas que Skolimowski cria para chegar à imagem que “o assaltou” não são convincentes e assentam em clichés expectáveis neste tipo de filme, e de resto o próprio final agrava o lado cartoonesco dessas mesmas narrativas.
No entanto, o espectador fica refém da mestria do realizador a explorar com brio uma linguagem que bem conhece e com gozo manipula, num filme de movimentos, tenso e inebriante, cujo olhar parece querer penetrar em tudo, mostrar tudo (chegamos inclusive a ter vários planos com o “ponto de vista” de um cão). O ritmo frenético da montagem, o facto de acedermos à história e ao background das personagens através de diversos meios (skype, videovigilância, vídeos caseiros, etc.), o clima apocalíptico, parecem apontar para um comentário sobre o caos contemporâneo. E, de resto, a imagem final parece concretizar essa ideia, com o ponto negro que as personagens mencionam a aparecer na imagem final, perturbante, do caos visual que é a corrente de imagens que nos inunda cada vez mais.
“45 Years”, de Andrew Haigh
A terceira longa-metragem de Andrew Haigh confirma-o como um admirável cineasta da observação e da nuance psicológica.
Um drama conjugal, mas também uma história de fantasmas, que funciona quase como um contraponto ao seu filme anterior. Se em Weekend testemunhávamos o nascimento e fim de uma relação intensa mas breve, aqui encontramos um casal nas vésperas da celebração de 45 anos de casamento. Mas já no filme anterior testemunhávamos as forças deste cineasta, nomeadamente a sua capacidade de entender o valor do trabalho dos actores, e o seu olhar sereno e maduro sobre as nuances psicológicas das relações amorosas.
É impressionante a forma como 45 Years condensa a história comum deste casal e a dá ao espectador. Está presente no filme uma atmosfera de partilha, a sensação de uma vida vivida, que perpassa não apenas na exploração do espaço doméstico, mas na utilização de diferentes indícios dessa vida em comum. Seja em passagens nos diálogos, em memórias que as personagens desfiam, ou em silêncios ou ausências, o filme convence no retrato que faz. Haigh, hábil na forma como dá vida às personagens a partir dos diálogos certeiros, é um cineasta de um certo “naturalismo”. Aqui abre no entanto porta a uma leve atmosfera de sobrenatural (e curiosamente a imagem mais forte dessa “presença” ou “ausência” é a de uma porta que se fecha lentamente atrás de Charlotte Rampling, sugerindo de forma mais óbvia o lado de “casa assombrada” que as diversas incursões no sótão das personagens já tinham sublinhado).
Charlotte Rampling (Kate) e Tom Courtenay (Geoff) são magistrais na interpretação do casal. Ela, serena, mas ameaçadora e magoada, ele, falsamente esquecido e hesitante. Um casal em crise, a partir do aparecimento de um fantasma (a namorada de Geoff que perdeu a vida numa aventura pelos Alpes). O aparecimento deste fantasma logo no início da trama vai pôr em causa a história deste casal na véspera da celebração da sua longa relação. O que em seguida se mostra, por entre cenas de uma comovente força contida, é a fragilidade das relações humanas, as mentiras que (nos) contamos e a forma como o passado “não inscrito” pode voltar para nos assombrar e “reconduzir” o presente e o futuro.
“7 Chinese Brothers”, de Bobby Byington
Já conhecemos o lado coqueluche indie de Jason Schwartzman há algum tempo e tivemos já oportunidade de testemunhar o fascínio que o actor exerce no cinema independente americano este ano em Listen Up, Philip, filme com o qual 7 Chinese Brothers tem alguns pontos de contacto.
Se no filme de Alex Ross Perry (que participa enquanto actor neste filme) encontrávamos Jason enquanto escritor niilista e condescendente, a braços com a falta de “inspiração”, aqui encontramos um preguiçoso sem rumo, demasiado apegado ao vício, à bebida e às drogas. Quase que podemos falar de duas versões da mesma personagem, em dois filmes estética e narrativamente diferenciados.
A proposta de Byington acaba por ser mais “desarmante”, porque, apesar do tom afectado, há uma certa ternura no lado cartoonesco do que é retratado: a pequena América, que passa ao lado do sonho americano. A dos supermercados, estações de gasolina, restaurantes de terceira, oficinas e bares de karaoke. É um meio que o filme recria com uma certa melancolia, com imagens e situações que o aproximam do espírito de uma banda-desenhada ou do cinema de animação. Mas é um meio sobre o qual tem pouco a mostrar (e que já não tenhamos visto noutros filmes). A estratégia é a do desapego, que mimetiza a indiferença de Larry para com aqueles que o rodeiam. A única personagem que merece a sua sinceridade é o cão, protagonista dos momentos cómicos mais conseguidos e fonte de muito do charme do filme. Quanto ao resto, é a dose recomendada de humor seco, personagens definidas a traço grosso, um tom sem compromisso e banda sonora indie rock para as afectações do protagonista.

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