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A mulher em branco

Texto: NUNO CARVALHO

“Perdida em Mim” é uma reflexão sobre a amnésia e o seu potencial para nos “libertar” dos vincos e dos hábitos arreigados que, por vezes, nos transformam em autómatos presos no círculo vicioso da nossa própria identidade.

É a memória o que confere densidade à nossa alma. Sem ela, perderíamos não só a capacidade de imaginar e de criar como também nos tornaríamos seres superficiais, ocos, devolutos. A nossa coerência interna passa em larga medida pela teia de memórias que se consolidam no nosso cérebro. No limite, se o acesso à nossa memória biográfica se perdesse, tornar-nos-íamos homens em branco. É o que acontece a Lena (Maria Schrader), uma inteligente académica e ensaísta que, na sequência de uma encefalite, perde grande parte da memória. Devido à inflamação no cérebro, a sua memória biográfica fica bastante comprometida, o que faz que se lembre, por exemplo, do nome da chanceler alemã mas que não consiga recordar-se do nome dos seus pais. O neurologista informa o seu paciente marido de que assim que a inflamação diminuir é provável que as memórias regressem. Mas Lena tornou-se uma outra pessoa e tem de fazer um grande esforço de reaprendizagem e de representação para voltar a ser reconhecível aos olhos de quem nela agora vê uma estranha confrontada com a versão anterior de si mesma.

Perdida em Mim conta com bons desempenhos dos atores mas enferma de um problema basilar, que é o facto de resultar um filme com um estilo branco, ou seja, com uma abordagem excessivamente direta e assética que tem pouco de cinema e mais de telefilme competente. É certo que há a intenção de criar uma certa ambiência “clínica” que afeta o estilo (não se trata de todo de uma abordagem expressionista, o que em si não constitui à partida um defeito), mas o principal problema do filme é não conseguir criar uma ambiência, uma envolvência com o espectador, mantendo-se numa posição de distanciamento um tanto fria e desafetada. Por outro lado, o que tem para dizer, num nível mais simbólico, sobre o facto de o self ser um construto e de todos representarmos de certo modo um papel não vai muito além da ilustração literal. No entanto, não deixa de suscitar uma interessante reflexão sobre o potencial “libertador” da amnésia, como se fosse um doloroso truque do inconsciente para dissolver os vincos e os hábitos arreigados que, por vezes, nos transformam em autómatos presos no círculo vicioso da nossa própria identidade.

“Perdida em Mim”
Realização: Jan Schomburg
Com Maria Schrader, Johannes Krisch, Ronald Zehrfeld
Legendmain Filmes

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