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Eduardo Morais: “Foi o único documentário que fiz em que chorei no fim”

Texto: HELENA BENTO

Eduardo Morais, realizador de “Meio Metro de Pedra” e “Uivo”, sobre o radialista António Sérgio, estreou “Barreiro Rocks” que, como o nome indica, é um documentário sobre o festival Barreiro Rocks, que celebrou no último fim de semana o seu 15º aniversário.

“O Barreiro Rocks é como se fosse um recreio ou um ‘intervalo grande’ que dura três dias e os teus colegas fazem de tudo para reprovar”. A frase é de Eduardo Morais, o conhecido realizador dos documentários Meio Metro de Pedra, Música em Pó e Uivo, que estreou no passado dia 14 de novembro o seu mais recente trabalho. “Barreiro Rocks”, como o nome indica, é um documentário sobre o festival de rock Barreiro Rocks, que no último fim de semana celebrou o seu 15º aniversário em mais uma edição com muita música e boa disposição.

Pelo palco do pavilhão do Grupo Desportivo Ferroviários, onde o festival acontece há vários anos, e também pela ADAO – Associação Desenvolvimento Artes e Ofícios e pela antiga escola primária Conde de Ferreira (duas novidades do festival) passaram desde figuras de peso do rock português e internacional, como os japoneses The Routes, The Jay Vons, The Baron Four, D3ö e The Parkinsons, a grupos mais ou menos filiados num rock puro e duro, uns acabados de surgir e outros que vêm conquistando cada vez mais os lugares possíveis e construindo ali aos poucos o seu próprio espaço, como os Cave Story, trio das Caldas da Rainha, que continua a colher os frutos do EP lançado no final de 2014, os portuenses Sunflowers, que se estrearam este ano no Vodafone Mexefest, Mighty Sands (ou Black Jews, como se chamavam até há bem pouco tempo), Calcutá e Clementine (dupla formada por Helena Fagundes e Shelley Barradas – ex-baterista e ex-baixista dos Dirty Coal Train – que vai buscar inspiração ao movimento riot grrrl). E, claro, o incontornável Crooner Vieira, mestre-de-cerimónias do festival, com 87 anos e uma vontade de cantar quase adolescente.

O convite para fazer o documentário surgiu no final do verão do ano passado, pela Hey Pachuco!, associação que organiza o festival, fundada por Nick Nicotine (Carlos Ramos), Johnny Intense (João Cruz) e Iolanda Vilarinho. Eduardo Morais é, desde 2012 (ano em que o festival teve uma edição especial, a edição Ibérica, de um só dia, no espaço Os Penicheiros), um frequentador assíduo do Barreiro Rocks. A maior parte das pessoas que entrevistou para o documentário disse que o melhor do festival é o ambiente. O ambiente de festa, muito folgazão, copos e dança até às tantas, com algum suor à mistura, parecendo uma grande família que se reúne, pais, filhos, sobrinhos e bisnetos, para festejar o aniversário da avó centenária.

Eduardo, que nos últimos meses, e por causa do documentário, tem passado muito tempo na cidade, perto do grupo da Hey Pachuco! e de outros que orbitam à volta da associação, fala sobre a “humildade e bom coração” dessas pessoas e também daquelas que já não perdem uma edição do festival, pessoas já da casa, quase família, do coração. “Este é talvez um dos poucos festivais onde se pode realmente afirmar que as pessoas é que o definem praticamente na totalidade, e isso é interessante”. E por falar em pessoas que esperam o ano inteiro, ou, neste caso, uma vida inteira para ir ao Barreiro Rocks, Rui Fonseca, baterista da banda nortenha 800 Gondomar, disse recentemente ao Público que ir tocar ao Barreiro Rocks estava no top cinco das coisas que queria fazer na vida. Já só faltam quatro. Já depois do festival, em fase ressaca pós-festa, Eduardo haveria de afinar o seu elogio ao festival com um exemplo “meio tolo”, mas bom. Este ano perdeu o telemóvel no meio da confusão, durante um concerto, e, “apesar do pânico da situação”, sentia-se tranquilo, pois sabia que alguém haveria de o encontrar e devolvê-lo. E foi o que aconteceu.

Eduardo, como dizíamos, recebeu o convite da Hey Pachuco! no final do verão do ano passado e nesse ano filmou o festival do início ao fim. São essas filmagens, e também vídeos e fotografias que ele conseguiu desencantar nos confins de uma carrada de arquivos, que vemos agora no documentário. Também foram entrevistadas pessoas ligadas ao evento: o músico Tiago Guillul, Victor Torpedo (The Parkinsons), Fast Eddie Nelson, Ana Corrine (ex-baterista de “Les Baton Rouge”), Cláudio Fernandes (guitarrista dos Pista), Alfredo Loureiro (do Grupo Desportivo Ferroviários) e Carlos Humberto Carvalho (presidente da câmara do Barreiro), entre outros. Essa edição, a do ano passado, foi especial para o realizador. Diz que lhe ficou na memória por ter participado de uma forma “ativa” e pela “polivalência” de funções que desempenhou (esteve como DJ também). “Para além de observador comum, registei o festival do início ao fim, e os três dias culminaram comigo a fazer la resistance dançar. É dos DJ sets que guardo com mais carinho”, diz.

Johnny Intense (João Cruz), que tocou em bandas como os Ballyhoos e The Sullens, e toca atualmente nos Act-Ups (lançaram um álbum este ano) e Thee O.B.s, e que também esteve à conversa connosco no primeiro dia de festival, recorda a edição mítica de 2005. “Foi numa tenda em que cabiam mil e tal pessoas e tivemos o cartaz mais brutal destes anos todos”, diz. O Barreiro Rocks tinha vindo de um ano em que, por decisão da autarquia, não se realizara, e o seu regresso foi encarado com grande entusiasmo. “Após o cancelamento do Barreiro Rocks em 2004 pela autarquia, a Hey Pachuco! não desmoralizou (…) e volta na organização de um dos melhores festivais de rock a nível ibérico”, lia-se num jornal local, revisitado no documentário. Nick Nicotine, entrevistado por Eduardo, também considera que essa foi uma das melhores edições do festival. Tiveram um orçamento “à séria” e “liberdade para mexer nele”, e isso permitiu à associação organizar uma série de atividades extra, como exposições, concertos e festas de apresentação do festival um pouco por todo o país. “Pudemos finalmente começar a introduzir o nosso cunho pessoal de uma forma mais vincada porque tínhamos a produção toda do nosso lado”.

Foi o ano dos Black Lips, Flaming Stars, Magnetix, Coyote Men e do muito acarinhado Billy Childish. O ano de um cartaz fora de série. Entretanto, o festival perdeu grande parte dos apoios que recebia e a organização tem feito o melhor com aquilo que tem. Pode haver anos com nomes sonantes e anos em que isso não acontece. Edições com um cartaz de sonho e outras em que se reconhece dois ou três nomes, se tanto. Mas isso acaba por importar pouco, porque o ambiente, esse, dificilmente mudará. Johnny Intense diz que o Barreiro Rocks “é o festival das centenas de amigos” que vão ter com eles todos os anos. “Há pessoas a virem cá só pelo nome do festival, mesmo que não conheçam as bandas que vão tocar”, garante. Ricardo Ramos, dos Dirty Coal Train, conta no documentário que “chega-se ao festival com cinco amigos e sai-se com 20 ou 30”. E o próprio Eduardo gaba a “carolice e o amadorismo, no sentido de amar aquilo que se faz”, e diz que este foi o único documentário que fez em que chorou no fim. Não por causa do final – que nem é “lamechas” – mas por causa “daquele sentimento tão bonito que fica a pairar”. Aquela frase dele no início do texto veio, na verdade, de uma outra, dita por Mário Lopes, crítico de música do Público, que também aparece no documentário. Acrescentamos aqui, porque resume tudo aquilo que nós gostaríamos de dizer mas não conseguimos. “O Barreiro Rocks é a festa do liceu que saiu fora de controlo”.

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