1995. Ao som das canções dos outros
Texto: NUNO GALOPIM
O compasso de espera que resultou do adiamento do lançamento do álbum Duran Duran (conhecido como The Wedding Album) de 1992 para 93 foi ocupado pelos músicos em novas sessões de estúdio das quais nasceria não apenas o inédito Come Undone que chegariam a incluir no álbum, mas também uma série de versões que, aos poucos foram acumulando. Uma delas, a de Femme Fatale, chegou mesmo a ser incluída no alinhamento do álbum. Mas a ideia de fazer todo um álbum de versões ganhou fôlego, sobretudo depois do bom momento que o Wedding Album entretanto criara.
O histórico Pin Ups de David Bowie, mais do que um Rock’n’Roll de John Lennon, estará certamente na raiz desta vontade do grupo em definir, através de uma seleção de versões, uma homenagem a alguns dos que os inspiraram. Alargando contudo o leque das suas memórias formadoras a algumas descobertas e vivências mais recentes, aqui notando-se uma destacada presença de referências na área do hip hop.
O leque de temas escolhidos é vasto e, sobretudo, versátil, passando pelos espaços do rock mais clássico, o universo dos cantautores da escola de 60, as memórias da new wave, os terrenos do funk ou o já referido olhar atento sobre o hip hop, num alinhamento que inclui White Lines (Grandmaster Melle Mel), I Wanna take You Higher (Sly & The Family Stone), Perfect Day (Lou Reed), Watching The Detectives (Elvis Costello), Lay Lady Lay (Bob Dylan), 911 is a Joke (Public Enemy), Success (Iggy Pop), Ball of Confusion (The Temptations) e Thank You (Led Zeppelin). O alinhamento incluía ainda Drive By, uma nova leitura sobre The Chauffeur (do álbum Rio de 1982), assimilando aqui ecos da digressão acústica de 1993. A edição japonesa juntava ainda a já conhecida versão de Femme Fatale (Velvet Underground) e uma de Diamond Dogs (David Bowie). A ementa era de facto gourmet… Mas o problema não foi aqui o da matéria prima…
Se o Wedding Album havia (aparentemente) resolvido o desnorte do qual havia emergido o equívoco Liberty em 1990, Thank You mostrou que a ideia de um possível renascimento para os anos 90, sob uma nova orientação, era coisa ainda longe de sedimentada. E se há instantes em que a identidade dos Duran Duran mostra alguma capacidade em dialogar com originais de outros e trazê-los ao seu universo – como o havia feito numa versão de Fame, de Bowie, num lado B em 1981 – na maioria das faixas corre um clima que é mais de coisa para ensaio e diversão em estúdio que de um álbum de um nome com o estatuto e história de uns Duran Duran.
Curiosamente (ou nem por isso) o melhor momento é aquele em que os Duran Duran revisitam… os próprios Duran Duran, em Drive By. A versão de Perfect Day, que valeu um rasgado elogio do próprio Lou Reed, foi escolhida como single de apresentação e representa, após dez anos de silêncio, o reencontro com o baterista Roger Taylor, que acedeu inclusivamente em surgir no teledisco que então acompanhou a canção. Roger colaborou ainda na gravação da versão de Watching The Dectectives, outro dos raros momentos compensadores do alinhamento. No departamento dos reencontros assinale-se ainda a presença de Tony Thompson (também baterista), que integrou os Power Station, em I Wanna Take You Higher. Outro baterista, Terry Bozzio (dos Missing Persons, a antiga banda de Warren Cuccurullo), surge em Thank You, Success e Drive By.
Para segundo single foi escolhido White Lines, um clássico da geração pioneira do hip hop de inícios dos anos 80, que os Duran Duran estavam já a apresentar em concertos e que ainda hoje, com alguma frequência, surge em alinhamentos de palco. A abordagem, que cruza a alma hip hop do tema com um fulgor elétrico muito característico da etapa em que Warren Cuccurullo militou nos Duran Duran. Para os coros a versão contou com a versão do próprio Grandmaster Melle Mel e com Grandmaster Flash & The Furious Five, num caso relativamente invulgar de presença dos homenageados numa versão.
Gravado em vários estúdios pelo mundo fora, à medida que o grupo corria a estrada na digressão que acompanhou o Wedding Album, Thank You teria na verdade gerado um mais recomendável EP com um concentrado das melhores ideias. O disco herdou os efeitos do momento gerado pelo álbum de 1993 e chegou a ter um desempenho mediano. Mas no plano da crítica, e com razão, não colheu grandes elogios, chegando mesmo um painel de editores da revista Q (que está longe de ser das mais recomendáveis, é verdade) a votá-lo como o pior álbum de sempre. Exagero, claro. Como em outros instantes da sua história, o grupo aprendeu com a lição. E dois anos depois surgiria com algo completamente diferente. E um dos mais interessantes (e injustificadamente ignorados) dos discos da sua carreira.

Deixe um comentário