Uma homenagem visual ao desenhador de “Murena”
Texto: NUNO GALOPIM
Com o décimo álbum da série Murena agendado para edição em 2017, juntando o argumento de Jean Dufaux (um dos seus criadores) aos desenhos do belga Theo, que ali se estreará neste universo, o Murena Artbook entra em cena neste tempo de hiato decretado pela súbita morte de Philippe Delaby, o outro coautor da série, desaparecido em 2014, aos 53 anos.
Belga, com estudos feitos na Ecole des Beaux Arts de Tournai (a cidade onde nasceu), tendo mais tarde tirado ainda um curso de impressão e tipografia, começou por trabalhar na revista Tintin, tendo ilustrado logo aí uma série de narrativas históricas com argumento de Yves Duval, com quem assinou alguns dos seus primeiros álbuns no início dos anos 90. Teve em Etoile Polaire a sua primeira série (com Luc Dellisse), mas foi com Murena, ao lado de Dufaux que, a partir de 1997, conquistou um espaço de visibilidade maior no mundo da BD contemporânea.
Não era a primeira vez que o mundo da Roma antiga passava pela banda desenhada (e de Astérix a Alix, já havia sobejos olhares sobre aqueles tempos). Mas com a abordagem lançada em Murena definiram-se não apenas perspetivas contemporâneas no desenho dos lugares, gentes e hábitos da cidade, como novos pontos de vista no retrato do seu quotidiano, valorizando a trama e as imagens uma certa erotização das figuras e comportamentos, lembrando uma das legendas do Murena Artbook que, naqueles tempos, a noção de pecado era algo que não fazia parte do vocabulário da moral romana.
Historicamente centrada nos tempos dos reinados de Cláudio e Nero, ou seja, no final da primeira dinastia da Roma imperial, a narrativa cruza um plano ficcional com todo um quadro cénico histórico, umas vezes mais perto da verdade dos factos, outras nem por isso. Cada álbum termina, de resto, com um texto histórico de enquadramento. E uma edição especial da revista Histoire publicada em 2009 dedicada aos tempos de Nero tinha inclusivamente um capítulo sobre o que é facto e ficção em Murena.
Em Murena Artbook encontramos esquissos e ensaios nos quais Philippe Delaby procurava as linhas pelas quais definiria as suas personagens. Há uma sequência de pranchas ainda no seu estado original de traço a lápis pelas quais se constata o trabalho de découpage que vinca a clara inspiração cinematográfica que há na base de todo este universo. Há, como os álbuns de resto o sugeriam, um olhar particular pelo corpo humano. E uma série de reflexões (algumas recuperando palavras do desenhador), onde ora se lembra uma antiga admiração sua por esta época ora se explica o potencial da aguarela como forma de lançar depois a cor sobre o desenho.
No final, depois de um magnífico retrato de Nero, o livro revela, como se fosse uma passagem de testemunho, duas páginas com uma apresentação escrita e desenhos de Theo, o novo desenhador da série.
“Murena Artbook”, de Dufaux e Delaby, com textos de Daniel Couvreur, é uma edição de 64 páginas em capa dura, pela Dargaud.



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