Luís Severo: “Não fui à Net apagar os meus discos antigos”
Texto: NUNO GALOPIM
Há nos músicos um processo de descoberta da sua própria voz que pode não se materializar em pleno logo nos primeiros discos. É assim que vês as tuas etapas anteriores, nomeadamente quando assinavas como Cão da Morte?
Acho que sim. No meu caso comecei a fazer música muito novo. Se calhar devia não a ter feito. Mas era uma coisa minimamente acessível. Hoje em dia, com uma placa de som de 50 euros e um microfone rasca faz-se um EP… E comecei a fazer música em casa porque não tinha muitas ocupações. Não tinha muitos amigos nem muita vida social. Edito o primeiro EP com uns 16 anos.
Tens uma perspetiva muito crítica sobre essa etapa?
Aceito-a. Não fui à Net apagar os meus discos antigos, eles continuam lá. Mas obviamente, como hoje tenho outras canções com as quais me identifico mais, ao vivo já não toco as antigas. E evito ao máximo ouvi-las. Mas elas estão lá.
A mudança de nome para Luís Severo sublinha uma ideia de algo novo que aqui começa e o que está para trás é como uma pré-história?
É isso mesmo. Também acho que quando comecei a lançar músicas fi-lo num formato mais ou menos anónimo, em que punha as músicas online, não punha fotos e ninguém sabia quem eu era… E nesse sentido não ter o meu nome tinha uma justificação. Entretanto começo a tocar ao vivo e a ter fotos em todo o lado e isso já não se justificava. Tinha de entender se ia estar a vida toda a ter de contactar com um nome que tinha dado a mim mesmo aos 15 anos. E como este disco novo de facto assinala alguma mudança, era o momento ideal para essa mudança. Podia não ter outro timing tão bom.
Mas tens liberdade para mudar novamente o nome num próximo disco…
Eu sei… Mas até ver fico com este. Quero dar alguma continuidade ao que fiz neste disco. Até porque não me satisfaz totalmente. Este disco foi feito na Interpress. E decidi acabá-lo porque já estava há meses em estúdio a fazê-lo. E ainda lá estava se não tivesse imposto um deadline. E nem tudo ficou o máximo… E já começo a discernir o que correu melhor e pior. Devo dizer que é o melhor disco que já fiz, mas já estou a pensar num outro.
Não estando o disco completo sentes a necessidade de agora, ao vivo, trabalhar mais essas mesmas canções? Ou essa insatisfação vai ser apontada às próximas?
Acho que o faço nas duas coisas. Ao vivo há logo a questão funcional que tem a ver com o facto de não poder ter todos os arranjos como no disco. É um disco com imensas camadas e ao vivo somos apenas quatro músicos. Além disso tento aprimorar o que foi feito. Mas entretanto tento que as canções novas sejam melhores.
O que te leva a querer escrever?
Não sei se são as histórias se as imagens… Não é uma resposta talvez muito complexa…
Mas as tuas canções também não têm pretensão de o ser…
Não são, é verdade.
Este disco mostra uma atenção por vários instrumentos, uma busca de sonoridades. Como procuraste o som para estas canções?
Mal ou bem isso é das coisas de que consigo gostar nas minhas coisas antigas. Bem ou mal conseguida sempre me preocupei em ter uma estética. E depois ajudou ter estado a produzir alguns amigos. E quando tive algum dinheiro investi numas máquinas analógicas de equalização, de compressão e de efeitos. Foi há dois anos. E só neste disco é que comecei a perceber como se usavam as máquinas. Porque isto não é só tê-las. É preciso sabe-las usar. E acho que isso foi bem conseguido.
A música dos outros é um ponto de reflexão para ti?
Eu cito muitas coisas neste álbum. Citei um fado, a Vida Vivida da Argentina Santos. Roubei-lhe umas frases. Também roubei ao Caetano [Veloso]…
Somos todos um compósito do que tiramos dos outros…
Sim, e não é algo que eu não assuma.
Estudaste o fado… Tem a ver com alguma demanda em concreto?
A minha mãe sempre ouviu muito fado. Ela foi quem me deu mais música da que hoje oiço. O Chico [Buarque], o Caetano, o Fausto, o Zé Mário, o Dylan, o Cohen… De tudo o que ela me tinha dado o fado tinha sido aquilo de que menos gostava. Até que fui ouvir Alfredo Marceneiro, Argentina Santos… E fiquei mesmo encantado. Fiquei a ouvir em loop… E finalmente tive uma referência. Já tinha da nova escola de cantautores, como o Samuel [Úrua], o B [Fachada], as Pega [Monstro]… Mas tive outra mais clássica de como trabalhar a nossa língua, a ouvir as palavras como devem ser ditas… E isso fez-me pensar em coisas nas quais nunca tinha pensado. Entre as cantoras a que mais me tocou foi a Argentina Santos.
O sociólogo que há em ti alguma vez entra nestas canções?
Não… Fiz sociologia nem sei bem porquê… Entretanto acabei mas não é coisa em que pense. É claro que li muita coisa que é claro que me ajudou. Hoje, que já não estou na faculdade há um ano sinto falta de ter coisas para estudar.
Sendo um tímido e, em tempos sem muitos amigos, como lidaste com o tipo de visibilidade que a música depois te deu?
Para todos os efeitos eu não sinto que tenha uma visibilidade do outro mundo. Vivi uns tempos sozinho e voltei entretanto a casa dos meus pais, em Odivelas. E vou tomar café ao mesmo sítio. Ninguém me conhece. É claro que indo ao Longe ou à ZdB as pessoas podem saber quem sou. Mas é uma coisa pequena. E tento não pensar muito nisso. Essa visibilidade também pode dar coisas boas. Nomeadamente algum dinheiro. E se calhar nunca teria uma namorada se não começasse a fazer música. Só por fazer música as pessoas olham para nós de uma forma diferente. Mas acontece só em certos nichos.
Sentes-te enquadrado neste conjunto de músicos que têm estado a marcar um reencontro com a ideia de explorar a canção na língua portuguesa?
Sim, claro que me sinto enquadrado. Quando sai um disco como o das Pega eu vou ouvi-lo e isso dá-me muitas ideias. Não sei se isso se nota, mas quando estava a fazer este disco elas já me tinham mandado o delas antes de o editarem e só ouvia aquilo. Acho que tudo isso me influencia.
E agora aqui ficam as primeiras datas já confirmadas desta digressão:
Janeiro:
dia 21: The Decadente — Lisboa 21:30h
dia 23: Anacronista — Rio Maior 18h
dia 24: Aqui Base Tango — Coimbra 17h
Fevereiro:
dia 11: Teatro Sá da Bandeira — Santarém 21:30h
dia 12: Cine-Teatro João Verde — Monção 21:30h
dia 13: Sé La Vie — Braga 23h
dia 27: Festival Boreal — Vila Real 21:30h

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